chamada.jpg
ACERTO
Com a medicação correta, Milena agora controla a psoríase

A expressão fogo amigo é usada nos campos de guerra para se referir aos incidentes em que um soldado alveja um aliado. Sem engano, ajuda a explicar o que acontece no corpo de quem convive com doenças autoimunes, como a artrite reumatoide, a psoríase e a diabetes tipo 1, entre outras. Nesses casos, o sistema de defesa despacha substâncias inflamatórias e anticorpos contra tecidos do próprio corpo para destruílos. Normalmente, essas reações são deflagradas apenas se algo estranho, como um vírus, é identificado pelas células do sistema imunológico. Diante da elevada incidência dessas enfermidades – dados do National Institutes of Health, do governo americano, indicam que atingem até 8% da população –, a busca de exames mais precisos para detectá-las no princípio e dos gatilhos que levam o organismo a se comportar de forma alterada estão no topo da lista de preocupações de reumatologistas e dermatologistas. Essa investigação está produzindo avanços. Um deles é uma combinação de exames capaz de confirmar a presença da artrite reumatoide o mais cedo possível. “A associação entre a dosagem do anticorpo anti-CCP, raio X e ultrassom com doppler é muito eficaz para confirmar o diagnóstico”, diz a reumatologista Hellen de Carvalho, de Brasília. “Em casos especiais, deve ser pedida também a ressonância magnética.” Outros métodos estão em estudo. Para um futuro próximo, cientistas da Universidade de Umea, na Suécia, prometem um exame de sangue que identifica 30 citocinas – substâncias inflamatórias associadas à doença. Nos testes feitos até agora, pacientes que apresentam níveis elevados dos compostos manifestaram 86% de chance de ter artrite.

img.jpg
CERTEZA
A médica Hellen combina métodos para confirmar a presença de artrite reumatoide

Nesta doença, os anticorpos atacam as articulações, causando inflamação, dor, deformidades e perda de movimentos. Uma das áreas mais promissoras de pesquisa é a que estuda o peso dos fatores ambientais. “Há uma combinação de risco genético e fatores ambientais ainda desconhecida. Desvendar essa relação é um dos maiores desafios da medicina”, disse à ISTOÉ o reumatologista Robert Moots, chefe da Divisão de Doenças Infecciosas e Imunologia da Universidade de Liverpool, no Reino Unido, e editor da revista científica “Rheumatology”, a mais respeitada desse segmento. “Um fator que parece estar associado à manifestação da artrite reumatoide é o tabagismo. Outro é mudarse do meio rural para a cidade”, diz. O stress intenso também pode disparar a doença, de acordo com um relatório publicado recentemente na revista científica “Autoimmune Reviews” pelo reumatologista Michael Sackler, da Universidade de Tel -Aviv. Em relação à psoríase, um aspecto que veio à tona recentemente é sua conexão com outras enfermidades. A doença, que afeta cerca de 2% da população, é caracterizada pela produção de grandes quantidades de citocinas que induzem as células da camada mais superficial da pele a se renovar em ritmo acelerado, levando à descamação e manchas vermelhas. “E cerca de 42% dos pacientes desenvolvem dores e inflamação nas articulações. É o que chamamos de artrite psoriática”, disse à ISTOÉ o dermatologista Robert Strohal, do Hospital Federal Universitário de Feldkirch (Áustria). A história da paulista Milena Uchibaba, 25 anos, deixa evidente a urgência de se perceber cedo os sinais da doença. Se isso tivesse acontecido, ela seria poupada de muito sofrimento. Milena começou a apresentar sintomas em 2005, mas só foi diagnosticada quando já tinha parado de trabalhar e deixado a faculdade em razão das dores e da dificuldade de movimentos impostos pela doença. A jovem teve ainda hepatite medicamentosa, depressão, síndrome do pânico e perdeu 12 quilos em três meses. Com o diagnóstico correto, reassumiu o trabalho e terminou o curso de administração.

No final do ano passado, porém, uma crise forte mudou o rumo do tratamento, baseado em anti-inflamatórios e remédios para atenuar a atividade do sistema imunológico. Há cinco meses, ela faz uso de remédios biológicos, chamados de anti-TNF, a mais moderna categoria de drogas contra o autoataque. O TNF é uma das citocinas fabricadas pelo organismo.  Por vários mecanismos, esses remédios inibem a produção de algumas substâncias inflamatórias e estimulam outras. Com isso, equilibram o funcionamento do sistema imunológico. “Agora a doença está controlada. Consigo andar o dia todo e até pulo”, diz Milena, que trabalha normalmente. Por tudo isso, os médicos estão repensando o modo de encarar a doença. Bater cedo e forte é a diretriz. “Diagnosticar e tratar no início com o que há de mais eficaz dá excelentes resultados. Muitos pacientes desfrutam de uma remissão completa”, diz o inglês Moots. Isso significa que em um mundo ideal, onde custos não limitassem escolhas, a terapia da artrite e da psoríase deveria começar pelos inibidores de TNF. “Tratar com o que há de mais eficiente economiza muito dinheiro”, afirma Strohal. A dermatologista Ana Paula Galli Sanchez, do Complexo Hospitalar Padre Bento, em Guarulhos, concorda. Com grande experiência em doenças da pele e autoimunes, a médica diz que os anti-TNF oferecem menos efeitos colaterais, em comparação às demais terapias.

G_doenca_autoimune_3.jpg

“Em geral, não alteram o fígado nem os rins. Mas, como reduzem as defesas, cresce o risco de infecções e o médico precisa fazer um controle constante”, diz Ana Paula. Na rede pública, a maioria das pessoas com artrite reumatoide começa a se tratar com anti-inflamatórios – corticoides e imunossupressores, por exemplo, entram em uma segunda etapa – para reduzir a atividade do sistema imunológico. Já os casos de psoríase, dependendo da intensidade, podem ser controlados com pomadas. Os anti-TNF são indicados apenas para quem não respondeu às outras terapias e para casos mais graves. O mais importante é que quem tem muitas dores e inchaço nas articulações ou manchas na pele procure logo o médico. “Isso eleva as chances de controle e remissão das doenças”, ensina Ana Paula.