Com a GM, a Ford e a Chrysler circulando por Washington de pires na mão, o comentarista William Kristol queixou-se outro dia no The New York Times que, a julgar pelo que dizem os jornalistas e fazem os políticos, os americanos não gostam de sua indústria automobilística. Ele não se referia só ao hábito de importar carros europeus, japoneses ou coreanos, deixando os similares made in USA mofarem nas revendas, com seu desenho e sua voracidade energética. Falava de antipatia, mesmo.

Quem diria que isso fosse acontecer logo lá, na terra do automóvel? Resposta: Monteiro Lobato. Ele mesmo, o escritor paulista que fez, para adultos, O presidente negro, errando tudo o que não poderia imaginar nas circunstâncias que estão levando Barack Obama à Casa Branca, mas acertando por acaso o resultado da campanha presidencial de 2008. No caso, escrevendo para crianças, com quase 70 anos de antecedência.

A maldição que ele lançou sobre as máquinas de combustão interna está em O minotauro, uma delirante viagem dos moradores do Sítio do Pica-Pau Amarelo à Grécia de Péricles. E foi só o grupo botar os pés no porto do Pireu para resolver por unanimidade que, sem automóvel, o mundo era melhor.

"Lá nas cidades modernas a gente anda com o coração nas mãos", comentou Pedrinho, criticando "as horríveis máquinas que o demônio do progresso inventou." Narizinho lembrou-se da "tortura dos automóveis" no Rio de Janeiro de 1939: "Quando a gente sai daquela inferneira da avenida Rio Branco e penetra na calma e velha rua do Ouvidor, parece que muda o mundo – porque ali não há máquinas." E Dona Benta concluiu "que o progresso mecânico só servia para amargurar a existência dos homens."

Os automóveis perderam na época de três a zero, talvez por estar em minoria. No tempo de Monteiro Lobato – ou de Dona Benta -, eles mal começavam a invadir as cidades brasileiras. A própria avenida Rio Branco, centro do Rio de Janeiro, portanto, do País, era ainda de mão dupla, com canteiros entre as pistas, trânsito frouxo e notória predominância de pedestres, de terno e enchapelados, nos cartões-postais da década de 1930. Sem contar que, dali a pouco, os carros seriam condenados, pelo racionamento de gasolina da Segunda Guerra, a sufocar com a fumaça do carvão vegetal que abasteceria seus tanques suplementares de gasogênio.

Eles eram malvistos, mas pouco vistos.

À medida que, na segunda metade do século passado, começam a se esparrarmar por todas as bibocas do território nacional, ficou tão difícil imaginar a vida sem eles que Monteiro Lobato soaria como um simples escritor retrógrado se por acaso não estivesse esbarrando, de novo, num futuro que não previu mas, inadvertidamente, anunciou.

O pouco que já se enxerga através da crise econômica que o mundo agora tem pela frente é o automóvel ficando para trás. No dia em que a recessão passar de fato, daqui a não se sabe quantos anos, os combustíveis fósseis, e de quebra o etanol, estarão previsivelmente comendo poeira, ultrapassados por fontes de energia mais limpas e mais prudentes. Na dúvida, não custa ir se acostumando com a ideia. E Monteiro Lobato pelo menos é divertido, mesmo em livros para crianças.