Praia, sol, caminhada no calçadão e água-de-coco gelada. A combinação cai muito bem no verão para gente de qualquer idade. Com 61 anos, um mineiro nascido em Jacinto, optou recentemente por um programa parecido. Nada de mais não fosse ele Hosmany Ramos, foragido da polícia desde o sábado 3, quando não retornou à prisão após uma saída temporária para as festas de fim de ano. Longe das celas, pelo celular, relatou à ISTOÉ, na quarta-feira 7, uma vida tranquila. “Estive em uma praia durante dias, andei pela calçada escutando iPod, refletindo, tomando um bom sol, entende?”. O bandido completa: “(Estou) bebendo água-decoco, fazendo corrida… Tô queimado. Estive no litoral do Espírito Santo. Ali tem tanta prainha que dá para ficar dois, três anos e ninguém te acha”.

 

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Ele, porém, diz não estar interessado em sol e água fresca. “Estou de malas prontas, aguardando um vôo. Vou para um país pobre de uma das Américas”, afirma. Por lei, Hosmany não poderia ter deixado o Estado de São Paulo na saída temporária, mas sua ousadia não tem limites. “Sei como atravessar a fronteira de avião. Aviões pequenos não precisam ser detectados por radar”, afirma. O criminoso mineiro age como se tivesse direito à escolha. Pior: faz isso sob as barbas das autoridades, que não moveram uma palha desde que ele surpreendeu ao convocar uma coletiva de imprensa no primeiro dia do ano para anunciar que não retornaria à penitenciária de Valparaíso, no interior de São Paulo, onde cumpria pena de 46 anos por homicídio, roubo de joias, tráfico de drogas, contrabando e sequestro.

O criminoso não apareceu na coletiva agendada em um hotel paulista, mas a lona do circo armado por ele não veio abaixo. Pelo viva-voz do celular do jornalista Marivaldo Carvalho, que foi contratado por ele como assessor, falou à imprensa que não retornaria à penitenciária como forma de denunciar o “sistema prisional corrupto e repressor”. Procurado por ISTOÉ para comentar o seu trabalho no dia, Marivaldo não quis se manifestar. “O Hosmany não fez um aviso, mas lançou um desafio encorajador para qualquer outro preso. Sabendo disso, foi imprudente deixá-lo livre, leve e solto na sua saída temporária”, opina o promotor público Roberto Tardelli, de São Paulo. “Ele deveria sentir a proximidade da fiscalização. Qualquer delegado de polícia poderia fazer uma vigilância.”

Hosmany, que já fugiu da cadeia várias vezes, não é um preso comum. Com nível superior e diploma de cirurgião plástico – pupilo de Ivo Pitanguy –, sua vida pregressa à cadeia foi regada a luxo entre a alta sociedade carioca. Possuía carros importados e coleções de relógios e canetas de ouro. Em 27 anos de cárcere, escreveu oito livros e ganhou verniz de intelectual.Por meio de sua assessoria de imprensa, a Secretaria de Segurança Pública paulista, apesar de reconhecer um certo ar de escárnio no episódio, afirma que enquanto o criminoso não passasse à condição de foragido a polícia só poderia agir se a Justiça ordenasse. Para Ricardo Chequini, juiz assessor da presidência da seção criminal do Tribunal de Justiça (SP), o Ministério Público de Araraquara, cuja vara de execuções concedeu ao preso o direito de desfrutar em liberdade o Natal e Ano Novo, era quem primeiro deveria ter tomado alguma atitude.

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“Nunca vi isso (preso convocar coletiva de imprensa para revelar que não retornaria à cadeia) acontecer. Pegou todo mundo desprevenido”, diz o promotor Joel Furlan, da vara de execuções penais de Araçatuba. “Seria razoável que qualquer autoridade que tomasse conhecimento da intenção de fuga ficasse de prontidão, vigiasse seus passos, fi- zesse alguma coisa. Mas, na prática, monitorar 24 horas a expectativa de um potencial foragido é inviável.”

O descaso poderia ser evitado, como explica um conceituado juiz de São Paulo, que pede para não ser identifi- cado: “O fato de Hosmany manifestar no jornal a intenção de fuga é motivo para que fosse sustada cautelarmente a sua saída temporária e expedido um mandado de captura, considerando-o foragido antes do tempo estipulado inicialmente pela Justiça.” Agora, onde será que estão Hosmany e os outros 1.519 presos foragidos depois das festas de fim de ano? Enquanto a polícia tenta capturá-lo por meio de operações padrões (blitze, batidas, vigilância em fronteiras), o criminoso pode estar saboreando uma água-de-coco e esperando que o episódio contribua para a divulgação de seu novo livro.

A Geração Editorial, que publica os livros dele, já faz uma apresentação da nova obra de Hosmany, com lançamento na segunda quinzena de março. Espera, assim, alavancar as vendas dele que registram quedas nos últimos três lançamentos – Pavilhão 9, de 2001, vendeu 25 mil exemplares; Sequestro sangrento (2002), 15 mil e Delitos obsessivos (2005), oito mil. “Ele é uma pessoa que precisa de mídia”, diz o juiz Chequini. “É um personagem que aproveitou uma época em que não tem muita notícia para fazer o que fez. Ele sabe se tornar o centro das atenções”, opina o promotor Tardelli. Foi assim a vida toda. Enquanto era cirurgião com consultório em Copacabana, Hosmany vivia cercado de celebridades e empresários. Na cadeia, chegou a falar com a imprensa via celular em uma rebelião na penitenciária de Araraquara, em 2006, para fazer denúncias, e prestava atendimento médico. “Como sou intelectual e conheço o que falo, a minha função é colocar o dedo na ferida e mostrar o que tem de ser melhorado”, brada.

Pai de Erik, um norueguês de 31 anos, e avô de um garoto de 9, Hosmany diz que, fora do País, irá prestar atendimento a crianças carentes – este fim de ano, posou ao lado dos equipamentos cirúrgicos que possui. “Quero ser útil um pouquinho no final de vida que tenho”, diz. Para se sustentar nessa empreitada, enviou um recibo para a editora, na quarta-feira 7, e recebeu R$ 10 mil referentes a direitos autorais. “Ele tem mais o dobro disso para receber”, diz Luiz Emediato, dono da Geração Editorial.
Se for capturado, Hosmany perderá o direito ao regime semiaberto – retornando ao fechado. O advogado Marco Antonio de Paiva, quando soube que o cliente não retornaria à prisão, protocolou sua renúncia do caso em juízo. Hosmany parece não estar muito preocupado, uma vez que já terá feito o seu comercial. “O (sambista) Bezerra da Silva já dizia que, se o levassem para a cadeia, ele iria escrever mais algumas músicas e estava ‘pela ordem’. Eu digo: se eu for para a cadeia de novo, vou escrever mais alguns livros e está bom!”