Principal nome do ativismo gordo nos Estados Unidos, a escritora luta contra o preconceito e defende que é possível ser obeso e saudável

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DISCRIMINAÇÃO
Ela não foi aceita pelo plano de saúde por ser gorda

Quando tinha 26 anos, a escritora americana Marilyn Wann teve um dia realmente péssimo. Apaixonada, ela levou uma grande rasteira do namorado ao ouvir, durante um jantar romântico, que ele tinha vergonha de apresentá-la aos amigos porque ela era gorda. E, naquela mesma noite, ao chegar em casa, leu um e-mail de uma empresa de seguro-saúde informando que ela não poderia ter um plano porque era “obesa mórbida”. Detalhe: ela não havia sequer sido examinada por um médico. Nesta data fatídica, Marilyn sentiu de uma vez só todo a carga do preconceito sobre seu peso – e preferiu a rebeldia ao conformismo. No ano seguinte, lançou seu primeiro fanzine: um manifesto em prol do amor próprio (entre gordos) e contra o preconceito e o uso de palavras como “obesidade”.

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"O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, está travando
uma campanha para erradicar as pessoas gordas"

Hoje, depois de 17 anos de militância, a escritora – que atualmente pesa 133,8 quilos e mede 1,64 m – é o principal nome do ativismo gordo num país onde um terço dos adultos é obeso e o padrão de beleza é feito de medidas cada vez mais econômicas. De São Francisco (EUA), onde mora, mantém os fanzines, apresenta programas de rádio e lançou o livro “Fat!So?” (algo como Gordo, e daí!?). “Tem gente que passa a vida inteira de dieta, infeliz e insatisfeita, estimulada pela mídia e pela publicidade. Eu prego a diversidade de pesos e medidas, da mesma forma que defendo a diversidade sexual e racial”, diz.

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"Eu não uso a palavra ‘obesidade’ porque não acredito que uma pessoa possa ser diagnosticada
pelo seu peso. Outras variáveis têm impacto sobre a saúde"

ISTOÉ

Como começou a cruzada da sra. pelo direito dos gordos?

Marilyn Wann

No início, não tinha nenhum plano além de publicar uma edição de um pequeno fanzine. Eu nem imaginava que as pessoas fossem lê-lo! Eu só sabia que tinha de fazer algo para falar publicamente sobre a exclusão que experimentava na minha vida apenas pelo fato de ser gorda. Senti medo de falar aos meus amigos e à minha família sobre o fanzine. Mas logo aprendi que eles me amam com o corpo que tenho, não apesar do corpo que tenho. Isso foi algo maravilhoso de aprender e só foi possível porque sou gorda.

ISTOÉ

Quando a sra. soube que precisava levantar essa bandeira?

Marilyn Wann

Depois do meu dia péssimo (quando foi recusada pelo plano de saúde e rejeitada pelo namorado). Decidi que não poderia mais esconder o que acontecia. Eu tinha de vir a público criticar a prática de exclusão social e institucional baseada no peso das pessoas. Se não fizesse isso, meu silêncio significaria que eu concordava em ser excluída. E eu não aceito!

ISTOÉ

O que mudou?

Marilyn Wann

Quando tive aquele dia péssimo, eu era uma jornalista free-lancer em São Francisco, era saudável e não tinha um seguro-saúde. Aos 43 anos, sou escritora, continuo tendo saúde e continuo sem um plano adequado. Se eu tiver um problema, como qualquer outra pessoa, posso não ter dinheiro para pagar um médico. Essa discriminação é perigosa para a minha vida, entende? Espero que os jovens ao lerem esta entrevista compreendam que o conformismo não é a melhor escolha para se fazer na vida.

ISTOÉ

A sra. sempre foi gorda?

Marilyn Wann

Sempre pesei mais do que a média. Quando criança, eu era vítima de bullying. Apesar de minha mãe e de meus professores terem dito que era feio intimidar e provocar, nunca disseram que uma pessoa gorda não é necessariamente ruim. Tive de chegar a essa conclusão por mim mesma. No ensino médio, eu media 1,64 m, pesava 72,5 kg e era considerada uma das três garotas mais gordas da escola. Nenhum garoto queria ir aos bailes comigo. Não saí com ninguém até ir para a faculdade e encontrar homens mais espertos.

ISTOÉ

A sra. já fez dieta?

Marilyn Wann

Não nasci ativista. Aos 26 anos, tentei um programa de dietas. Passei três semanas à base de arroz e frutas. Perdi oito quilos e fiquei extremamente mal-humorada de tanta fome. Descobri que fazer regime é muito humilhante e ineficiente. As pessoas exercitam o ódio contra elas mesmas, brigam contra o que desejam e raramente perdem muito peso. E, quando perdem, geralmente permanecem magras por um curto período de tempo. Cheguei à conclusão de que aquela não era a vida para mim. Não estava saudável nem magicamente magra. Então parei com as dietas.

ISTOÉ

Desde então a sra. come de tudo?

Marilyn Wann

Sim! Nunca faria algo tão estúpido, destrutivo e prejudicial quanto uma dieta! Eu como quando estou com fome e paro quando estou satisfeita. Gosto de uma série de comidas nutritivas. E, sim, como chocolates sempre que estou a fim. Mas não penso em comida o tempo todo nem como o tempo todo. Apenas vivo a minha vida sem passar vontade, pois é isso que deixa as pessoas compulsivas. Como de maneira sensata e sou ativa.

ISTOÉ

A sra. faz exercícios?

Marilyn Wann

Atualmente, faço levantamento de peso e bicicleta duas vezes por semana. Às vezes, ioga com uma amiga que dá aulas para pessoas gordas. No ano passado, fiz aula de aeróbica com outros gordos bem resolvidos. E pratico natação. Acho que é mais fácil para mim ter orgulho próprio e ser uma ativista da causa por não ter perdido tanto tempo praticando rituais que alimentassem o meu ódio contra mim mesma.

ISTOÉ

Não é uma grande contradição defender o direito de ser gordo ao mesmo tempo que malha tanto?

Marilyn Wann

Como prega o “Saúde em Qualquer Tamanho” (grupo formado por psicólogos, nutricionistas, especialistas em fitness e pesquisadores na área que discutem o tema obesidade à exaustão), exercícios não devem ser feitos com o objetivo de perder peso. Devem ser encarados como algo divertido que traz bem-estar e saúde. Nossos levantamentos científicos mostram que quem se exercita pesa em média 4,5 quilos a menos do que os sedentários. A maneira mais comum de pensar em exercícios é através do princípio da punição. Você é levado a crer que seu corpo é ruim se você é gordo. Por isso, deve puni-lo por meio da atividade física. Mas essa é uma maneira errada de se pensar. As pessoas que aceitam seus próprios corpos e se exercitam por prazer fazem exercícios por mais tempo, melhorando a sua qualidade de vida.

ISTOÉ

A sra. tem ou teve algum problema de saúde por causa da sua obesidade?

Marilyn Wann

Não acredito que ser gorda cause qualquer problema de saúde em particular. E não uso a palavra “obesidade”, porque não acredito que uma pessoa possa ser diagnosticada pelo seu peso. Entendo que os dados científicos mostrem correlações entre pessoas acima do peso e alguns problemas de saúde. Mas eles não demonstram o contexto das causas. Nossos pesquisadores precisam considerar outras variáveis que têm um profundo impacto sobre a saúde.

ISTOÉ

Por exemplo?

Marilyn Wann

Pessoas gordas fazem dietas para perder peso. Sabemos que o efeito ioiô faz mal à saúde. Pessoas gordas estão sujeitas à discriminação e ao stress que a gordura provoca. Sabemos que esses sentimentos também fazem mal à saúde. Pessoas gordas ganham menos dinheiro por causa da discriminação no ambiente de trabalho. Sabemos que isso pode ser prejudicial à saúde. Pessoas gordas enfrentam barreiras para obter cuidados médicos porque o nosso sistema de saúde e nossos profissionais estão todos embebidos em preconceito.

ISTOÉ

Onde a sra. quer chegar?

Marilyn Wann

Pode ser que essas variáveis causem problemas de saúde que têm ligação direta com o fato de muitas pessoas não serem aceitas como são. Por exemplo, um pesquisador muito estimado, Steve Blair, da Universidade da Carolina do Sul (EUA), reuniu dados sobre o peso das pessoas e seu nível de condicionamento físico. Ele descobriu que os gordos moderadamente ativos têm menos problemas de saúde e vivem mais do que os magros sedentários. Se algum dia eu tiver um problema de saúde, não culparei o meu peso. Me recuso a acreditar que a única maneira de ser saudável é emagrecendo.

ISTOÉ

Ser obeso e saudável não é exceção à regra?

Marilyn Wann

Claro que é possível ser gordo e saudável! Mas, se uma pessoa gorda enfrentar problemas de saúde, o ideal seria que ela tivesse uma boa assistência médica, no lugar de ser aconselhada a emagrecer ou ser alvo de compaixão. Vergonha e culpa não fazem bem a ninguém. Sobre os médicos e especialistas, eu acho que estão errados. Eles estão ganhando muito dinheiro – e, para isso, muitos deles difundem o ódio contra aqueles que são gordos. Nos Estados Unidos, as pessoas gastam US$ 60 bilhões por ano em produtos que prometem emagrecer. E o número só está crescendo. Se esses produtos realmente funcionassem, não haveria mais pessoas gordas e eles estariam falidos. E, infelizmente, a maioria de nossos cientistas se recusa a considerar qualquer outro ponto de vista sobre o peso.

ISTOÉ

Em seu livro, a sra. fala sobre o “gene da gordura”. O que é isso?

Marilyn Wann

Acredito que o sistema de regulação de peso do nosso corpo evoluiu ao longo da existência humana. Provavelmente, há muitos fatores genéticos envolvidos. Mas nossos cientistas sabem apenas parte do que acontece. O grupo “Saúde em Qualquer Tamanho” acredita que o sistema de regulação de peso de cada pessoa ajusta o corpo de acordo com aquilo que ela necessita para viver. Meu peso natural é diferente do peso natural de outro indivíduo, mesmo quando comemos a mesma coisa e realizamos os mesmos exercícios. Um dia, a ciência irá mostrar que os preconceituosos estão errados. E, nesse dia, será a minha vez de sentir pena deles.

ISTOÉ

Em geral, os americanos gordos sofrem esse tipo de preconceito em quais circunstâncias?

Marilyn Wann

Em todas as áreas da vida. Em casa, no trabalho, na escola, no sistema de saúde, nas instituições públicas, na moda, na publicidade, na mídia. E até mesmo do nosso governo. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, está travando uma campanha para erradicar as pessoas gordas. Acho que a Casa Branca deveria acolher pessoas de todos os tamanhos e celebrar a todos.

ISTOÉ

Por que a sra. acha que os gordos são tão rejeitados?

Marilyn Wann

Nunca há uma boa razão por trás do preconceito. É natural do ser humano inventar características ruins para quem odeia. Então, há estereótipos de todos os tipos. No nosso caso, somos tachados de sujos, preguiçosos, feios, glutões, estúpidos, descontrolados, indesejados sexualmente e até tarados. Mas, fique tranquila, eles estão errados! Posso não ter o meu plano de saúde, mas tenho uma vida sexual ativa e feliz.