O celular tocou de repente numa trilha que parecia infensa a todos os avanços das telecomunicações. Do outro lado, uma voz muito fraca, coada pela distância e as copas das árvores, encarnou um fantasma do Iguaçu: “Sabe aquele funcionário público que propôs aumentar o parque?”

Claro. Ele passou aqui, por ISTOÉ, no mês passado, desentranhado do plano de manejo que tratou de botar ordem técnica no parque nacional, entregue por décadas a um modelo de gestão que beirava o abandono. É muito citado no documento. Mas, pelo visto, já não se sabia na época quem ele era.

O projeto incorporou seus argumentos em defesa de limites que incluíssem no parque as bacias dos rios que deságuam no Iguaçu logo acima das quedas. Dito e feito. O parque tem hoje mais ou menos o desenho que ele rascunhou. E está sitiado por plantações e pastos. E o dono da ideia sumiu no anonimato. Seu nome não ocupa sequer uma linha em pé de página nos documentos que o invocam.

“Era Júlio Madureira Bittencourt”, disse o autor do telefonema, separando as síladas. “Bittencourt com dois tês.” E acrescentou: “Era meu pai.” Bittencourt foi o primeiro agrônomo do Paraná, formado no que é atualmente a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Fez carreira pelo interior, instalando a Fazenda Modelo de Ponta Grossa e, mais tarde, a de Lages, usando matrizes do governo para o melhoramento dos rebanhos no Paraná e em Santa Catarina. Trouxe o gado normando para a região. Criou uma raça bovina, a “limousine caracu 5/8”.

Foi juiz de muita exposição agropecuária. E inspetor-chefe da Inspetoria de Fomento Animal. Por essas e outras, ao se instalar em Ponta Grossa, mandou devolver a cesta de Natal que um fazendeiro local lhe enviara. Levava ao pé da letra o preceito de que, no serviço público, presente é propina. Morreu aos 79 anos, em 1974.

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E Iguaçu, como entra nessa história? “Ah, para isso é melhor falar com minha irmã. Vivi muitos anos fora do Brasil. Ela é que guardou os documentos.”

Maria Tereza Bittencourt Veiga Silva mora numa chácara arborizada “a dez minutos de Curitiba”. Tem fazenda em Jandaia do Sul, no norte do Estado, convertida à agricultura orgânica e, ultimamente, à biodinâmica. Um de seus filhos dirige o Centro de Referência em Agroecologia, um parque estadual em Curitiba. O outro tem mestrado em agroecologia. Tudo, ela explica, por herança do avô, um ambientalista antes de haver ambientalismo.

Do Iguaçu, ela recorda a visita que, aos 17 anos, fez ao parque com o pai, em junho de 1951. Chegando lá, encontraram uma onça morta, abatida naquele dia. Maria Tereza tem uma fotografia, posando ao lado do bicho. Mas não sabe exatamente o que o pai estava fazendo lá. “Sei que foi a trabalho. Acho que era para criar o parque.”

Ao ouvir que o parque foi criado em janeiro de 1939 – 12 anos e seis meses antes –, não pensa duas vezes: “Bem, então não era ele.” E desliga depois de ouvir que, se não foi seu pai que abrigou a última floresta do oeste paranaense dentro do Iguaçu, é sinal de que naquele tempo o Ministério da Agricultura não tinha só um, mas dois funcionários exemplares, lutando no front da mata nativa com o campo cultivado. Melhor assim, não? “É mesmo.”


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