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LENDA URBANA
Meneghetti aos 90 anos

"Una porqueria”, costumava dizer o lendário ladrão Gino Amleto Meneghetti (1878-1976) quando discordava de alguma coisa. E assim respondeu aos entrevistadores do irreverente e provocativo jornal “O Pasquim” quando lhe indagaram o que pensava sobre as teorias do médico italiano Cesare Lombroso de que algumas pessoas possuem características físicas que as predispõem ao crime. “Isso é conversa de médico pedante. O que inicia alguém no roubo é a miséria”, disse Meneghetti. Nascido numa família pobre na cidade italiana de Pisa, ele começou a furtar ainda garoto. Chegou a São Paulo na década de 1920, já escapulindo da Justiça italiana. Tinha 35 anos. Veio ao encontro de alguns parentes que haviam imigrado e prosseguiu na “América” a sua escalada marginal. O livro recém-lançado “Meneghetti, o Gato dos Telhados” (Boitempo Editorial), do escritor Mouzar Benedito, recupera a história do ladrão que ganhou fama nacional, tinha o retrato estampado nos jornais de vários Estados e muitos apelidos – entre eles Homem-Borracha, Bom Ladrão, Ladrão de Casaca, Ladrão Nobre e, o mais famoso, “Homem-Gato”, referência a sua incrível habilidade para caminhar sobre telhados, pular muros e saltar entre edifícios. Segundo a lenda em torno de Meneghetti, ele seria filho de uma família de acrobatas e viria daí a elasticidade e destreza física, o que nunca foi confirmado.

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Prestando depoimento em um distrito policial em outubro de 1961

O que se sabe é que Meneghetti era um especialista em arrombamento e furto de joias e sabia diferenciar as pedras preciosas legítimas das falsas. Roubou residências famosas, como a mansão de Francesco Matarazzo Filho, na avenida Paulista, em São Paulo. Ele invadiu a casa aproveitando-se de uma discussão entre a cozinheira e a copeira e levou joias, entre elas um colar com as cores da Itália cravejado de diamantes, rubis e esmeraldas. Em outra ocasião, deixou à proprietária um bilhete em que reclamava do fato de as joias serem “todas falsas”. Em 1926 ele protagonizou uma fuga espetacular pelos telhados das residências e mobilizou o Corpo de Bombeiros e mais de 200 policiais numa perseguição que durou seis horas. Terminou preso e amargaria no presídio uma longa temporada. Marcado pela polícia, Meneghetti temia ser envenenado e lavava a sua comida, esfregando o bife de um lado e do outro antes de ingerilo. Em 1958, ele passou a ser defendido pelo criminalista Paulo José da Costa Jr., que o colocou na rua no ano seguinte e se tornou um amigo. “Ele seguia mandamentos. Não matava, nunca feriu ninguém e não tinha parceiro. Era um ladrão romântico”, diz o advogado, autor do livro “O Incrível Meneghetti”, em que revela o temperamento anárquico de seu cliente.

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Convidado pelo radialista Silveira Sampaio para uma entrevista ao vivo, Meneghetti foi presenteado antecipadamente com dois ternos de casimira inglesa. Recebeu de bom grado os presentes e desapareceu. Costa Jr. também se recorda de um encontro em sua casa em São Paulo em que Meneghetti desdenhou da segurança da residência da família. “Una porqueria”, disse ele ao pai de Costa Jr., que achava o seu imóvel muito seguro. Ladrão experiente que era, Meneghetti, então com mais de 70 anos, sabia o que estava falando. Meses depois o mais temido assaltante da época, conhecido como “Bandido da Luz Vermelha” (João Acácio Pereira da Costa), roubou a casa do advogado, enquanto a família dormia. 

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