À medida que o consumo de uma droga se populariza, descobre-se o tipo de consumidor que ela seduz, o perfil do traficante e a origem de seu princípio ativo. Com o ecstasy, comprimido à base de MDMA (3,4 metilenodioximetan-fetamina) que ficou conhecido nos anos 90 por embalar raves e festas regadas a música eletrônica, não é diferente. Há sete anos, por mais que a droga fosse a darling de jovens descolados, não havia no Brasil pesquisas que radiografassem o consumo da substância. A Polícia Federal e o Departamento de Investigações de Narcóticos (Denarc) também nunca haviam feito uma apreensão dos comprimidos. E os traficantes não passavam de jovens da classe média tentando divertir seu grupo de amigos e, com isso, ganhar alguns trocados.

Hoje, nesse que pode ser considerado um segundo momento na história do consumo de ecstasy no Brasil, a realidade é bem diferente. O traficante da droga não é mais o jovem de classe média e os comprimidos podem ser encontrados em bocas-de-fumo e coca. A polícia, por sua vez, não apenas conhece o perfil desses infratores como apreende cada vez mais comprimidos e desarticula organizações poderosas. Tanto é assim que na semana passada o Denarc de São Paulo prendeu o maior traficante de ecstasy das regiões Sul e Sudeste do Brasil. Pan Augusto de Faria Lê, 27 anos, um suposto DJ, era, segundo os investigadores, a cabeça de uma organização responsável por abastecer o Skol Beats, festival de música eletrônica que acontece no sábado 16 com nada menos que quatro mil pastilhas de ecstasy. Com essa operação, em apenas quatro meses o Denarc contabiliza a apreensão de oito mil comprimidos de MDMA, o mesmo que foi retido ao longo de todo o ano passado.

Prisão – “O tráfico de ecstasy cresce e o nosso trabalho também. No mesmo dia de Pan prendemos um subgerente de uma agência do Banco Real com mais de 300 pastilhas”, explica Ivaney Cayres, diretor do Denarc de São Paulo, que desarticulou o esquema de Pan depois de deter dois estudantes de classe média com 613 comprimidos. Pressionados, Luís De França Costa Barra, 24 anos, e Felipe Zapata Contreras, 20, acabaram admitindo que receberam a droga do DJ pelo correio. “O celular de Pan recebeu mais de 100 ligações. Em uma delas, um “cliente” reclamava da demora na chegada da droga, pois já havia feito o pagamento”, conta o delegado. Para ele, a organização do Skol Beats tem sua parcela de culpa nessa história e pode ser enquadrada no artigo 12 do Código Penal, que pune os organizadores de um evento que fazem vista grossa para o consumo de drogas. “A revista é fraca e eles nunca procuraram trabalhar em conjunto com o Denarc”, completa o delegado.

Os organizadores do evento, engajados em respeitosas campanhas pelo consumo responsável de bebidas, entretanto, defendem-se alegando que a revista na entrada do festival é feita pelas próprias polícias Militar e Civil. De fato, se o uso abusivo da droga acontece nas pistas de dança do evento, não é por falta de revista na entrada do sambódromo paulistano. Todo ano formam-se filas quilométricas no local, principalmente por causa da demora da operação. E o festival, entre seus habituês, não por acaso, acabou sendo apelidado de Skol Blitz. Uma pergunta, portanto, acaba sendo inevitável: se as blitze não resolvem, qual seria então a forma correta de impedir o consumo da droga?

 
Perito: Costa tornou-se expert na análise dos comprimidos 

Diálogo – Para o psicólogo Murilo Battisti, especialista em dependência química pela Universidade Federal de São Paulo e um dos primeiros brasileiros a realizar um estudo sobre o consumo de ecstasy no País, a prevenção ainda se encontra no velho diálogo entre pais e filhos. “É possível identificar se um jovem faz uso frequente de MDMA a partir de suas atitudes em casa, mas o ideal é que os pais conversem com os filhos sobre o tema antes do fato consumado”, alerta. O problema é que, conforme mostra um estudo realizado pela associação Partnership for a Drug-free America, a distância entre o que os pais pensam sobre os filhos e o que eles, de fato, são é cada vez maior.

Ao longo do ano passado, 1.205 pais de adolescentes americanos foram entrevistados e apenas 1% deles disse crer que seu filho possa ter feito uso de MDMA. A realidade, entretanto, é outra: 9% da população adolescente dos Estados Unidos, isto é, 2,1 milhões de jovens, fez uso de ecstasy pela primeira vez só no ano passado. Ou seja, se considerarmos os usuários frequentes, esse número é ainda maior. Outra notícia triste revelada pelo estudo é que o número de pais que não conversam sobre drogas com os filhos dobrou nos últimos seis anos. Enquanto em 1998, 6% dos entrevistados assumiram não debater o assunto em casa, hoje esse índice é de 12%.

No Brasil, apesar de o número de pesquisas sobre o consumo de ecstasy ter crescido significativamente, ainda não há estudos que determinem a quantidade de usuários. O que se sabe é que quem toma ecstasy hoje toma algo bem diferente do que se consumia no começo dos anos 90, quando a MDMA começava a aparecer por aqui. Um estudo conduzido no ano passado pelo toxicologista Sílvio Fernando Lapachinske ajuda a entender o novo perfil do comprimido de ecstasy nessa segunda fase da droga pelo Brasil. Mestre pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, Lapachinske analisou, no ano passado, 25 lotes da droga, apreendidos por órgãos de segurança. Desses lotes, 21 continham somente MDMA. Nos demais, o princípio ativo da droga aparecia mesclado com outras substâncias ou era inexistente. “Uma das amostras era apenas um combinado de anfetamina com cafeína”, conta o pesquisador.

Intoxicação – Dos males o menor, pois a anfetamina e a cafeína são substâncias nem de longe tão tóxicas quanto a MDMA. “O problema na adulteração dos comprimidos de ecstasy é que nunca se sabe o que o usuário vai tomar e como ele pode reagir. Ou seja, em uma situação de emergência, os médicos podem ser incapazes de ajudar, por desconhecerem a causa da intoxicação”, alerta o farmacologista José Luiz da Costa. Especialista em análise de comprimidos de ecstasy, Costa é perito criminal do Núcleo de Análise Instrumental do Ceap, órgão que pertence à polícia científica do Estado de São Paulo. O pesquisador estima analisar pelo menos seis mil comprimidos por ano. Tal façanha tornou-se possível graças ao cromatógrafo, aparelho sofisticado que ajuda a identificar substâncias químicas, e que pode custar até R$ 750 mil. Com esse aparato, a polícia já é capaz de saber quais são as drogas que compõem os comprimidos vendidos como ecstasy, o que facilita a identificação da origem da droga.

Quanto mais se conhecer o assunto, mais fácil será evitar complicações decorrentes do uso da MDMA. Até pouco tempo atrás, conhecia-se apenas um caso de morte por consumo de ecstasy, no Brasil, que teria acontecido em Porto Alegre, há quatro anos. No ano passado, entretanto, um novo caso no Rio de Janeiro teria sido abafado. Uma jovem de 28 anos teria consumido 1,5 comprimido da droga, quantidade inofensiva se comparada aos cinco ou seis comprimidos tomados por final de semana pela geração clubber. O organismo da consumidora, entretanto, teria reagido de maneira fatal à MDMA ou a outro componente da droga. A família da jovem, prefere não falar sobre o assunto. Só o que sabe é a causa mortis: intoxicação por drogas. Triste notícia.