O cineasta Hector Babenco não suporta mais a violência no País. Dia desses, a caminho da estréia da peça Salmo 91, baseada no mesmo livro de Drauzio Varella que deu origem ao filme Carandiru, ele teve um ataque de pânico e largou o carro no túnel do Anhangabaú, no centro de São Paulo. O diretor de Lúcio Flávio, o passageiro da agonia e Pixote, a lei do mais fraco não quer mais abordar assuntos desse gênero: “Estou há 20 anos mergulhado nesse universo, não consigo mais visitá-lo. É como alguém que teve intoxicação comendo um peixe podre e não consegue mais ver peixe na sua frente.” Seu mais recente filme, O passado, que estréia no Brasil no dia 26, volta as costas para a violência urbana. Fala, no entanto, de outra violência: a das relações amorosas.

Baseado no romance homônimo do argentino Alan Pauls, O passado acompanha a trajetória de Rimini (Gael García Bernal), um jovem tradutor que entra em crise depois de romances devastadores com três mulheres. Também pudera: as mulheres dos filmes de Babenco estão sempre alguns graus fora da normalidade. A primeira delas é Sofia (Analía Couceyro), com quem Rimini fica casado por 12 anos. Quando se separam, ela aceita civilizadamente a perda, mas continua presa ao ex-marido de forma obsessiva. A segunda é Vera (Moro Anghileri), uma modelo belíssima, mas ciumenta em igual medida. Numa das cenas, ao ver Rimini falar com uma menina, o agride imaginando o seu envolvimento em sedução e pedofilia.

A mais estável delas é Carmen (Ana Celentano), tradutora como Rimini, com quem ele tem um filho. A felicidade de Rimini dura pouco porque, à distância, Sofia não suporta ser esquecida. Vera acaba sendo atropelada e morre. Recuperado da perda, Rimini está agora com Carmen, mas Sofia, num surto psicótico, seqüestra o filho do casal, causando a separação. É um golpe fatal na frágil estrutura emocional do personagem. “Sofia não é louca, ela simplesmente enlouquece. É uma Medéia, o arquétipo máximo da mulher que é fiel ao seu amor até o fim”, diz Babenco, referindo-se à personagem da tragédia grega.

A tese de O passado é que as pessoas não se separam, se abandonam. E que o amor não acaba, ele continua reverberando na vida dos ex-amantes: “Fui casado três vezes, cada relação durou 15 anos. Esquecer uma mulher que te deu um filho é impossível. Só se você for um patife.” A princípio, o cineasta pensou em filmar essa história em São Paulo, mas chegou à conclusão de que não daria certo – não pelo clima de violência, mas porque os personagens não se aclimatavam bem ao País. Quanto mais mergulhava na história, mais se via na Argentina de sua adolescência. Decidiu então rodar o filme em Buenos Aires, facilitado pela entrada de capital portenho na produção.

,Babenco garante que o filme não tem nada de autobiográfico. “Minha única relação de amor na Argentina foi com aquela maluquinha mostrada em Coração iluminado, que me deixou marcado por toda a vida”, afirma ele. “Isso sem falar do amor que temos pela mãe, que é muito controverso.” Ele descobriu o livro de Alan Pauls justamente numa viagem a Buenos Aires para visitar a mãe doente, mas ainda não se deu conta se a presença dela pairou sobre a história dessas mulheres hiperpossessivas. Sobre o matriarcado argentino que une Evita, Isabelita e agora Cristina Kirchner, ele arrisca uma psicanálise: “Só mesmo a falta da figura materna explica essa desejo do argentino de querer ter a mãe no poder. É uma vocação esquisita, de adorar a mulher como se fosse uma santa.” A Argentina também é um amor que não acaba na sua carreira de dez filmes: Babenco recorreu a três escritores daquele país para criar suas histórias.

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