Talvez surpreenda dizer que a obra do artista russo naturalizado brasileiro Lasar Segall (1891-1957) seja impregnada de sensualidade. Costuma-se identificar seu trabalho pelo olhar angustiado. Mas experimente enxergar suas telas pelo conceito grego da sensualidade como impulso para a vida e aí tudo se encaixará. A comunicação entre cores, objetos, luzes, cenários e pessoas mostra isso, em especial na “fase brasileira”, definição do escritor Mário de Andrade para a produção marcada pela alegria e exuberância do País. É a especialista Vera D’Horta quem sacramenta tudo isso na exposição Corpo presente. A convicção figurativa na obra de Lasar Segall, da qual é curadora. A mostra, que comemora os 50 anos da morte de Segall, será aberta dia 23 na Pinakotheke Cultural, no Rio de Janeiro. Reúne 93 obras entre pinturas, desenhos, gravuras e esculturas. Muitas delas inéditas, como o Retrato de Lucy, de 1936, que foi comprada pelo governo francês e pertence ao acervo do Centre Georges Pompidou, em Paris.

Segall nasceu na comunidade judaica de Vilna, na Lituânia, morou na Alemanha e conheceu o Brasil em 1913. Um ano depois, estava em um campo de concentração, triste momento que apareceria mais tarde em suas obras. Uma década mais tarde, entretanto, já estava morando em São Paulo, onde casou com Jenny Klabin e teve dois filhos. Segall também mantinha um apartamento na avenida Atlântica, em Copacabana, no Rio, cidade que o impressionava pela beleza, alegria, Carnaval e favelas. Vera, também coordenadora do setor de pesquisa em história da arte do Museu Lasar Segall, na capital paulista, conheceu o artista quando era uma menina. “Lembro-me de ter sido apresentada a ele no Masp, em 1951. Era um senhor muito bem vestido, de terno com lenço na lapela”, diz.

Em São Paulo, Segall teve participação ativa na vida cultural: fundou a Sociedade Paulista de Arte Moderna, em 1932, e foi um dos articuladores do modernismo. Para o amigo Mário de Andrade, a “fase brasileira” seria a quase perdição de Segall. “Ele perde a característica do expressionismo. De repente, sai o trágico e a produção dele vira uma festa”, explica Vera. É a fase do menino com a lagartixa, de muitas figuras de negros e da representação dele próprio como negro em duas telas – uma delas vai estar na exposição. “Ele fez isso para reafirmar sua identificação com o País. Queria se reinventar”, atesta a pesquisadora. Outra fase marcadamente tupiniquim é a das mulheres da série do Mangue – famosa área de prostituição carioca, já desativada. Gravuras dessa série estarão expostas na Pinakotheke.

Mas o tema da prostituição não é exclusivo da produção brasileira e pertence, na verdade, a uma grande área de seu interesse, que é a vida na marginalidade – o homem pobre, a mulher rodeada de filhos, família à qual falta o marido. Os traços angulosos e a crueza dos desenhos, que combinam muito com a angústia e a solidão, também estão presentes em trabalhos mais solares. Faz sentido com o que Segall sempre defendeu: mais importante que a busca estética da arte é expressar verdadeiramente o sentimento humano. O Brasil ficou chancelado como um mundo especial para ele. Em sua autobiografia, descreveu um Rio de Janeiro “com palmeiras intermináveis”, Santos “com navios de todos os cantos do mundo perto de infinitos espaços repletos de bananeiras” e São Paulo, “rodeada por terras de uma cor vermelha e marrom profunda.” Dizia que pores-do-sol e melodias carnavalescas o faziam pensar que tudo estava bem. E resumiu: “Sentia-me livre neste mundo novo e diferente.”