Os mosteiros europeus sempre guardaram segredos. Na Idade Média, quando a Igreja Católica dava as cartas, o saber acumulado pela humanidade durante séculos foi confiado às bibliotecas dos monastérios. Os monges, além de rezar, passavam o tempo copiando livros, a Bíblia e tomando notas. Descobriu-se agora que eles também faziam as vezes de homens do tempo. No Mosteiro de Einsiedeln, na Suíça, uma construção do século X, um dos 13 diários produzidos entre 1671 e 1704 revela como era o clima na época. "11 de janeiro. Estava tão frio que toda a despensa de vinho congelou. Desde que fui ordenado padre, o sacramento nunca havia congelado no cálice", escreveu o monge Josef Dietrich, em 1684. "Mas no dia 13 de janeiro piorou e há quem diga que nunca esteve tão frio na história da humanidade."

Na era contemporânea, em que o tema aquecimento global está na ordem do dia, esses relatos têm sido valiosos para tentar entender as transformações climáticas pelas quais passa a Terra, uma vez que os termômetros só foram criados no século XIX. Antigamente, esses textos eram ignorados – eram considerados falhos e cheios de imprecisões ou ilegíveis. Hoje têm seu valor reconhecido. Segundo o monge Konrad Hinder, atual homem do tempo de Einsiedeln e leitor freqüente dos escritos de Dietrich, os diários são precisos até na cor da névoa e das avalanches e fornecem um contexto histórico confiável. "Sabemos por Josef Dietrich que naquele tempo as mudanças climáticas eram extremas. Eram invernos muito frios ou brandos, verões muito úmidos ou muito secos", diz Hinder, que nos últimos 40 anos tem compilado dados para o Serviço Nacional de Clima, na Suíça.

Os padres faziam isso no mundo todo. No Brasil, os registros meteorológicos mais antigos datam de 1860, mas os jesuítas que vieram com os colonizadores descreveram o clima, a flora, a fauna, a natureza e o território do País. Em 1560, o padre Anchieta escreveu sobre a região de São Paulo: "…o sol realiza seu curso numa temperatura uniforme, de modo que nem o inverno causa horror pelo frio, nem o verão infecciona pelo calor: em quadra nenhuma do ano cessam as chuvas, de maneira que durante dois, ou três dias, o sol alternadamente sucederá as chuvas".

No Norte do Peru, quando os conquistadores chegaram acompanhados de religiosos, em 1532, eles descrevem uma área verde onde costuma ser deserto, com exceção dos anos em que o fenômeno El Niño se manifesta. "Isso talvez seja um indicador de que naquele ano houve o El Niño", diz o professor José Antonio Marengo, do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Os documentos relativos à colonização da América Espanhola estão centralizados no Arquivo das Índias desde o século XVIII.

Esses relatos são interessantes, mas para estudar cientificamente o clima de até 11 mil anos atrás, os pesquisadores valem-se de análise de sementes, linha da vida das árvores e sedimentos de lagos e geleiras. "No Brasil há muitas sementes fossilizadas", diz Marengo. "Na Amazônia, por exemplo, havia araucária, o que indica que o clima era relativamente mais frio."