O arquiteto Ivan Campos e a jornalista Hanriette Soares se separaram quando o filho deles, Igor, estava com três anos. Com rancor à flor da pele, o ex-casal fez um acordo judicial, que estipulou a guarda para a mãe de Igor e visitas esporádicas para Ivan. Três anos mais tarde, a poeira dos problemas pessoais baixou e Ivan e Hanriette decidiram dividir por igual as decisões e as tarefas relativas à criação do filho. Hoje, aos 15 anos, Igor toca guitarra com o pai, de 50, dentro da casa da mãe, que, mesmo casada novamente, abre as portas para o ex-marido sem limite de dias ou horas. "Assuntos da escola, culturais, médicos, esportivos e de lazer são discutidos de maneira flexível entre mim e o Ivan", conta Hanriette, 38 anos.

Assim funciona a guarda compartilhada, um conceito que gera polêmica em tribunais e entre quatro paredes. Motivos: ela representa o fim do poder dado a apenas um dos pais em administrar a vida do filho e acaba com as visitas em dias e horários programados. Ao compartilharem a guarda, pai e mãe poderão ter contato diário com a criança e participar igualmente do cotidiano dela. Esse sistema, que vai contra a tradição brasileira da guarda única, que atravessou o século passado, nunca esteve tão próximo de ser previsto por lei, como ocorre lá fora há pelo menos 40 anos.

Aprovado pelos deputados em 2005, o projeto de lei 6.350/2002 entrou na ordem do dia no Senado Federal, onde deve ser apreciado nas próximas semanas. "A lei irá prever a guarda compartilhada como opção para o juiz", diz o senador Demóstenes Torres, autor do substitutivo do projeto. Com status de lei, espera-se que se resolva uma contradição identificada pela advogada Suzana Borges Viegas de Lima, da Universidade de Brasília (UnB). Sua pesquisa de mestrado revelou, em março passado, que 77% dos juízes, promotores e defensores públicos são favoráveis ao compartilhamento da guarda, mas apenas 40% deles afirmam aplicá-lo.

"Muitos juízes não determinam a guarda conjunta pela falta de conhecimento do que ela seja", afirma a juíza da 15ª Vara da Família do Rio de Janeiro Maria Aglaé Tedesco Vilardo, que nos últimos dois anos deferiu 30 processos a favor do compartilhamento da guarda. "Não me parece bom para a criança. Ela pode não saber a quem recorrer quando surgir uma dúvida. O ideal é que se tenha uma guarda", opina Karime Costalunga, advogada de família do Rio Grande do Sul. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), o mineiro Rodrigo da Cunha Pereira discorda. Pare ele, se há mães que compartilham os cuidados do filho com creches, parentes e até vizinhos, não há por que não fazer o mesmo com o pai da criança.

Para esclarecer melhor o tema e pedir mais agilidade na aprovação da lei, ocorreram neste mês duas manifestações patrocinadas por movimentos de pais separados. No Rio de Janeiro, 250 bonecos de plástico vestidos de preto e com vendas nos olhos foram espalhados pela praia de Botafogo, no Dia das Crianças. Essa foi a referência encontrada por pais para manifestar o sentimento de luto por não ter contato diário com seus filhos. Dois dias antes, em Brasília, em prol da guarda compartilhada, uma faixa foi estendida no jardim do Senado por cerca de 20 pessoas, que peregrinaram por gabinetes do Congresso colhendo assinaturas de senadores.

O garoto José Lucas Delmondes Dias, 12 anos, foi a única criança nessa manifestação. Mineiro, filho de pais separados, desde o ano passado ele mora com o pai, mas convive também com a mãe. "Tenho dois quartos, um na casa do meu pai, outro na da minha mãe. Recebo duas vezes mais atenção e puxão de orelha também", diz ele, descontraído. E completa: "Antes, quando a guarda era só da minha mãe, sentia falta do meu pai."

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Separado da mãe de José Lucas desde 2000, o fotojornalista Rodrigo Dias concordou que a guarda do filho ficasse com a ex-mulher. Com o tempo, procurou a Justiça porque a mãe de José Lucas não permitia uma convivência maior além dos dias de visitas. "Uma vez meu filho me ligou e disse: ‘Pai, vem ver o Lego que eu montei!’ Eu fui até a casa da mãe dele, mas tive de ficar atrás do portão e vê-lo pela janela da casa", conta o pai. Rodrigo reverteu a guarda na Justiça, mas estendeu à ex-esposa o direito de compartilhar com ele as decisões e responsabilidades na criação de José Lucas.

Fora dos tribunais, é necessária uma mudança de comportamento. Ainda hoje, com algumas exceções, o homem acredita que a educação é encargo da mulher. E elas sentem-se culpadas perante a sociedade caso não assumam essa responsabilidade. Essa barreira cultural – hoje, em 90% dos casos a guarda é da mãe, segundo o IBGE – transforma o pai em um "re- JUNTOS Rodrigo conseguiu na Justiça a guarda do filho, mas resolveu compartilhá-la com a mãe do garoto creacionista do filho", como define a psicóloga Jonia Lacerda Felício, do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP). "A visita é empobrecedora na relação com a criança. O pai perde o filho e vice-versa", opina Jonia.

Pior ainda é quando um deles usa a guarda do filho como um meio para conseguir pensão alimentícia e perpetuar a briga com o excônjuge. "Tem muita mãe que fica com o filho como troféu", diz a professora do instituto de psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Leila Torraca de Brito, autora do artigo Família pós-divórcio: a visão dos filhos, publicado em uma revista de psicologia, ano passado. Entre advogados da área de família é quase consenso que, quando o ex-casal está às turras ou quando os pais moram em cidades diferentes, o compartilhamento da guarda do filho fica prejudicado e não deve ser indicado. "Compartilhar pressupõe entendimento", diz a advogada de família Tânia da Silva Pereira, do Rio de Janeiro.

Mãe de Irina, nove anos, a assessora jurídica Denise da Veiga Alves conta, no entanto, que nem mesmo o fato de seu ex-marido e pai de sua filha ter morado longe delas, que vivem em Brasília, atrapalhou o compartilhamento do cotidiano da garota. "O Pascal morou nove meses na Suíça, mas ligava toda a noite e enviava dinheiro para as despesas da filha", diz Denise, 40 anos. Ela completa: "É importante compartilhar porque não é justo eu arcar sozinha com toda a carga das decisões da vida dela." O antropólogo Pascal Angst, 43 anos, pai de Irina, se separou da mãe da criança quando ela tinha três anos. O ex-casal decidiu que a criança moraria na capital federal, porque o pai dela muda muito por causa do trabalho. Mesmo assim o acesso do antropólogo a Irina é irrestrito. Um processo de separação ou divórcio por si só já é delicado. Se há filhos nesse contexto, então, deve-se preservá-los de desgastes emocionais. "A criança merece a atenção e o respeito dos pais", pontua Denise. O casal pode deixar de ser marido e mulher, mas nunca pai e mãe.


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