Em que medida, ao intervir em espaços urbanos abandonados e em edifícios com identidades históricas e culturais bem definidas (como os edifícios parisienses da área do Plateau Beaubourg) a atuação de Gordon Matta-Clark é também sobre a história, ou sobre os critérios de formação da história?

Os edifícios que tiveram intervenção de Matta-Clark não tinham identidades históricas ou culturais definidas, pois eram ruínas urbanas (ou suburbanas, no caso de “Splitting” ou “Bingo”), sem atributos nem valor estético. Daí a importância de seu gesto alegórico efetuado em lugares destinados, por sua função e história, à desaparição. Por outro lado, esse gesto desmantela as noções do que se considera e se valida como histórico e a idéia de monumento. Por isso, Matta-Clark nunca considerou intervir em um edifício de Le Corbusier ou Mies van der Rohe, mas sim mostrar as camadas invisíveis de formação histórica a partir de espaços anônimos, fantasmáticos e sem memória. Um excessão foi, sem dúvida, o Muro de Berlin, onde o artista realizou uma performance, na medida em que não pode intervir na estrutura, por razões óbivas; ou “Window Blow Out”, onde literalmente atentou contra o establishment da arquitetura ao disparar contra os vidros das janelas da sede do Instituto de Arquitetura e Estudos Urbanos de Nova York. Foram trabalhos mais explicitamente políticos e, não raro, relaizados no mesmo ano de 1976.

Matta-Clark já teve suas intervenções urbanas e arquitetônicas comparadas à land art e ao dada (a influência pode ter surgido depois dele ter trabalhado como assistente de Jan Dibbets, Hans Haacke, Dennis Oppenheim, Robert Smithson, entre outros, na montagem da exposição “Earth art”, em 1969). Mas é possível pensar sua obra hoje dentro do escopo da ecologia e de causas pro-sustentabilidade?

Comparar a obra de Matta-Clark com a land art oferece um marco conceitual impreciso e confuso, pois a problemática de suas intervenções alegóricas sobre edifícios se inscreve exclusivamente ao tecido urbano (ou suburbano, no caso de Humphrey St, New Jersey e Niagara Falls) e às interações sociais que ocorrem nele. A land art, ao contrario, concentrou seus esforços em ampliar a idéia de escultura inscrevendo-a na paisagem natural, mesmo que Robert Smithson tenha notavelmente estabelecido uma importante distinção teórica entre o site e o non-site, permitindo-o fundamentar a operação de deslocamento de elementos naturais à galeria de arte ou ao museu. Esse talvez seja um elemento que une a obra de Smithson à de Matta-Clark: o deslocamento de suas extrações arquitetônicas do edifício em ruínas ao museu ou galeria de arte.

Por outro lado, as preocupações de Matta-Clark sempre apontarm para uma busca de soluções auto-sustentáveis, desde “Garbage wall”, obra feita de resíduos e dejetos, até o projeto inacabado de “Loisaida”, com o qual ele obteve a bolsa Guggenheim e que propunha o treinamento de jovens de baixos recursos de Nova York em ofícios de alvenaria e tarefas de construção, o que permitia-os fabricar suas próprias vivendas ou melhorar suas condições de vida. A consciência ecológica também pode ser encontrada em seus escritos e em suas preocupações alquímicas (“Agar-Agar”, “Glass Brick”, “Lead pieces”) ou sobre a reciclagem (“Winter garden: mushroom and wastebottle recycloning cellar”), correspondentes ao período (em que viveu em) 112 Greene St, assim como durante a gestão das idéias sobre “anarquitectura”.

Um “Garbage wall” foi exposto na 27ª Bienal de São Paulo. Mas que intenção Matta-Clark tinha com esse projeto, ou com outros como as “Basket houses”: eram objetos escultóricos para ser exibidos em espaços expositivos ou eram projetos anti-institucionais, concebidos para terem aplicação prática em contextos urbanos dos Estados Unidos ou de outros países?

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“Garbage wall” é um trabalho que recupera a idéia de reciclagem e pode ser realizado em qualquer lugar, seguindo as especificações do artista. “Basket houses”, ao contrario, foi um projeto utópico, ou seja, um projeto sem lugar, não realizado e, portanto, é difícil considerá-lo nesses termos.

A exposição vai trazer à tona a dimensão teórica de Matta-Clark, exibindo meditações filosóficas do artista?
Uma parte importante do trabalho de Matta-Clark é sua relação com a escritura, equiparável de alguma forma àquela que Helio Oiticica teve com a escritura (mesmo que menos desenvolvida no caso de Matta-Clark). Não é coincidência o artista ter estudado literatura na França nos anos 60, durante um Período fundamental para sua formação. Nesse sentido, a influencia do conceitualismo surgido nos anos 60 é considerável na recuperação da escritura como instrumento de inscrição e ao mesmo tempo como vetor lingüístico.
Mesmo que Matta-Clark não tenha deixado escritos teóricos extensos, sua escritura fragmentária, quase aforística, anotada em cartões e cadernos, e suas meditações sobre os projetos que ia desenvolvendo, dão conta de sua importância na consolidação de uma poética própria. Por outro lado, os títulos irônicos que dava aos seus trabalhos (às vezes vários para uma só obra) evidenciam o peso da escritura.

E como será explorada na exposição a dimensão coletiva de seu trabalho, promovida, entre outros momentos, no restaurante “Food”, que ele abriu com amigos, em 1971, no SoHo novaiorquino e era considerado um trabalho artístico?

“Food” será apresentado dentro do contexto das investigações alquímicas de Matta-Clark. A dimensão coletiva desse projeto será mostrada através de vídeos, fotografias e documentação disponível sobre o restaurante, que serão dispostos em ordem cronológica, em relação a obras performáticas como “Tree dance”, “Open house” e “Fresh air cart”, ou mesmo à série de fotografias de “Anarquitetura”, que foram feitas coletivamente por Matta-Clark e um grupo de amigos, colocando em questão a idéia de autor. Nesse sentido, “Anarquitetura” é um conceito que Matta-Clark foi desenvolvendo através de um conjunto de opiniões residualmente formadas por um coletivo – o mesmo que colaborou em “Food” e que foi se desmembrando à medida em que o artista começou a fazer intervenções em edifícios.


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