A segunda metade dos anos 1990 foi caracterizada por crises nos países emergentes: México, Rússia, Brasil e Argentina. Em todos os casos, os países recorreram ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para resolver seus problemas de endividamento externo e tiveram que se submeter a rigorosos programas de ajuste fiscal (redução de gastos públicos e aumento de impostos) e das contas externas exigidos pela organização. Após um período de retração do nível de atividade e aumento do desemprego, durante o qual a relação dívida/PIB e os déficits fiscais se acomodaram em níveis compatíveis com a capacidade de financiamento, todos os países, à exceção da Argentina, entraram em trajetória de crescimento (com maior ou menor intensidade), com estabilidade de preços.

Ao contrário, após serem aceitos na União Europeia (UE) e adotarem o euro como moeda, vários países europeus, entre os quais se destacam Portugal, Espanha, Grécia e Itália, utilizaram a maior credibilidade do Banco Central Europeu (BCE) e a postura fiscalmente conservadora dos outros membros da UE, principalmente de sua maior economia, a Alemanha, para aumentar seus déficits fiscais e seus níveis de endividamento. A credibilidade do BCE, combinada à ideia de que as consequências negativas para a UE e para o euro de um default de um de seus membros seriam desastrosas, permitiu que estes países mantivessem déficits fiscais elevados e aumentassem sua dívida como proporção do PIB, sem pagar um prêmio de risco (taxa de juros) muito elevado.

A crise financeira de 2008/2009 atingiu estes dois conjuntos de países de formas completamente diferentes. No primeiro, provocou forte queda da demanda, do PIB e desvalorização cambial, em um primeiro momento. Como os fundamentos fiscais e monetários destes países estavam fortes, com equilíbrio fiscal, relação dívida/PIB e inflação sob controle, seus governos e bancos centrais puderam adotar políticas fiscais, monetárias e de crédito mais frouxas que reverteram a trajetória de queda já no segundo trimestre de 2009.

No segundo grupo a queda do PIB decorrente da crise provocou um forte aumento do déficit fiscal e da relação dívida/PIB, que gerou um aumento dos prêmios de risco e das taxas de juros cobradas pelos bancos para refinanciar o déficit público. O aumento dos juros tornou mais caro o refinanciamento das dívidas, aumentando ainda mais a relação dívida/PIB. No final de 2009, começaram a surgir desconfianças quanto à capacidade da Grécia (e dos outros países) de honrar seus compromissos financeiros, o que levou a uma segunda rodada de aumento do risco e dos juros, agravando ainda mais a situação. O resultado é o prolongamento da crise, a queda do PIB e o aumento do desemprego.

A UE pode vir em socorro da Grécia. Entretanto, caso isto ocorra, será difícil convencer outros países, que também têm problemas fiscais graves, a pagar o custo em termos de queda do PIB e aumento do desemprego, e a fazer o ajuste fiscal necessário. Ou seja, a questão é se a região tem condições de socorrer todos e não apenas um dos envolvidos e como criar os incentivos para que esta situação não se repita no futuro.

O comportamento divergente destes dois grupos de países mostra a importância do equilíbrio fiscal para o crescimento sustentável da economia. O custo pago pelos países do primeiro grupo criou os incentivos necessários para que eles mantivessem o equilíbrio fiscal, mesmo após o fim dos programas de ajustes impostos pelo FMI. Já para o segundo grupo, a possibilidade de serem socorridos pela União Europeia e pelo BCE gerou os incentivos para a leniência fiscal e perda de controle dos déficits públicos e da relação dívida/PIB. O Brasil viveu esta tragédia no final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Agora, é a tragédia grega.

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