Negociante nata e escritora por vocação, Dulce Tupacyguara Mascarenhas leva a vida de forma curiosa. Aos 76 anos, não tem residência fixa, já viajou duas vezes à China e conhece quase todo o Brasil. Escreveu, imprimiu e vendeu mais de 50 mil exemplares de seus nove livros sozinha. “Eu faço tudo: texto, parte gráfica, revisão”, conta ela, entusiasmada. Dulce escreveu seu primeiro livro de poesia aos 61 anos. Vendeu 700 exemplares. Com o dinheiro imprimiu mais dois mil e não parou mais de escrever, vender livros e viajar, sua grande paixão. Hoje, comercializa suas obras – que não encalham – nos aeroportos do Brasil. Escapar da vigilância da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero) é sua maior dificuldade, já que a venda de produtos nos aeroportos só é permitida nas lojas. Mas Dulce não se intimida. “Tenho respaldo do Estatuto do Idoso, que diz que não devemos ser importunados.”

Dulce já viveu boas aventuras. Na primeira vez que foi à China, em 1974, entrou numa exposição de esmeraldas e viu que a mais cobiçada era de um garimpo de Goiás. Voltou ao Brasil e passou nove meses na região. Lá negociou pedras e livros. “Os trabalhadores contrataram uma pessoa para ler meus livros para eles. Depois, alguns foram para a escola. Não há dinheiro que pague isso”, comemora Dulce, que se orgulha em não acumular bens. “Tive mais de 600 esmeraldas e não fiquei com nenhuma. Minhas jóias eram as histórias que ouvia.” Uma delas, sobre um índio que foi estudar na cidade, Dulce contou em versos no livro Crepitantes mutações (1999). Anos depois, no aeroporto, ofereceu a obra a um engravatado. “Ele quis saber onde conheci aquele índio. Contei que ouvi a lenda na Serra do Cachimbo e ele me disse, emocionado, que era a história dele. Só aí notei seus traços indígenas. Ele se tornou professor de universidade”, relembra Dulce, que ensinou literatura em presídios, serviu sopão para desabrigados e garante que vive “fidalgamente”. “Sobreviver é gastar pouco e viver bem. Para que mais?”, ensina.

Apesar da aversão à rotina, Dulce já foi casada, tem filhos, netos, bisnetos e
um apartamento em São Vicente, no litoral paulista, onde aparece vez ou outra. Passa parte do tempo na casa da irmã, em São Paulo, parte na casa do filho, em Brasília, e, quando viaja, se hospeda na casa das pessoas que conhece pelo caminho. “Visitei 97 cidades do Brasil e cada dia dormia numa cama diferente. Isso é maravilhoso!”, garante a escritora peregrina, que sonha com o dia em que todos saberão ler e escrever.