A alguns quilômetros da fronteira espanhola, entre vinhedos de 80 anos de idade e um pavilhão que expõe obras do iconoclasta Marcel Duchamp, Estelle Dauré é irônica. “Gozados, os franceses. Eles tomam Porto como aperitivo, champanhe na sobremesa e vinho tinto com os queijos. E ainda acham que sabem tudo!” Estelle Dauré é uma francesa de humor catalão e temperamento italiano e, como tudo no sul da França (onde estão os 134 hectares de seu Château de Jau), vive entre o secular e o moderno. Ao lado de uma galeria de arte contemporânea, ela produz aquele que talvez seja o vinho mais internacional – e tradicional – da região, o Banyuls, um doce natural e tinto que, no paladar, se assemelha ao Porto, mas é ainda mais adequado para acompanhar sobremesas à base de chocolate.

No Languedoc-Roussillon, esse corredor espremido entre o rio Rhône e os Pirineus, com o Mediterrâneo ao fundo, está o maior vinhedo contínuo do mundo – mais de 270 mil hectares ininterruptos, com as mais variadas castas, 40 diferentes denominações de origem controlada, um mar de vinhos espumantes, brancos, tintos, doces e fortificados. Como comparação, seus 18 milhões de hectolitros por ano representam três vezes mais que a produção de Bordeaux, é superior à do Chile e comparável apenas à dos Estados Unidos.

Ainda assim, é provável que você não tenha ouvido falar do Languedoc, apesar de ele possuir uma sólida cultura e gastronomia consagrada. Se fosse aqui, Languedoc seria o Nordeste, onde a simpatia e o calor humano, misturados a praias de areia fina, atraem por ano 15 milhões de pessoas, principalmente no verão. Em Cap d’Agde, por exemplo, a vila de quatro mil habitantes recebe 250 mil turistas se bronzeando no maior território naturista do mundo. Se fosse nos Estados Unidos, seria a Flórida, paraíso de aposentados em busca de sol, natureza, boa comida e custo de vida moderado. Mas o Languedoc é França e, portanto, além de vinhos, tem história e arte.

É o caso do intocado aqueduto da Pont du Gard, o quinto monumento mais visitado da França (atrás da Torre Eiffel, do Louvre, de Versailles e do Museu D’Orsay). Ele está próximo a Nîmes, onde sua Arena, inspirada no Coliseu de Roma, é o prédio mais bem conservado de toda a era romana.

À beira-mar, na chamada Costa Vermelha (em contraposição à Côte d’Azur), Collioure parece uma tela impressionista e, de fato, com seu luminoso colorido, serviu para que Henri Matisse criasse ali o fauvismo (movimento marcado justamente pela agressividade das cores). Nas suas colinas, esplendorosos terraços de vinhas completam a paisagem mediterrânea. Mais para o interior, nas cercanias de Carcassone, o fabuloso Canal do Midi, que com 240 quilômetros de extensão e 64 eclusas liga o Atlântico ao Mediterrâneo, oferece um dos mais bucólicos pontos turísticos. Além dos passeios pelas eclusas que saem de hora em hora, qualquer pessoa pode alugar um barco (há inclusive barcos-hotéis) ou então circular de bicicleta pelas margens arborizadas.

Carcassone, outro atrativo da região, talvez seja a vila medieval mais importante da Europa. Construída a partir de uma fortificação romana, modificada e aumentada nos séculos seguintes, ganhou um castelo, uma catedral, uma igreja, muros e torres que, desde o século XVIII, lhe dão a imponente dimensão atual.

Em Montpellier, a capital da região, o quarteirão medieval tem seu charme com praças, bares, restaurantes e lojas típicas, mas a imponência se dá nas modernas obras urbanas. Em forma de chave, uma esplanada tão comprida quanto a avenida Champs-Elysée, em Paris, liga a parte antiga da cidade à nova. Fontes, um teatro inspirado na Opera parisiense, prédios do século XVIII em pierre d’italie, um Arco do Triunfo (anterior ao da capital) e brasseries com mesinhas na calçada fazem da cidade uma mini-Paris.

Então, finalmente, se numa tarde de calor você se sentar numa mesinha dessas para ver o vai-e-vem da juventude do sul da França, que circula em torno da famosa universidade de Montpellier, aprenda com a gente moderna do Languedoc a fazer a coisa certa: champanhe vai melhor como aperitivo, Porto na sobremesa ou como digestivo e vinhos brancos acompanham a quase totalidade dos queijos, particularmente os franceses, com seu leite cru e casca apodrecida.