O ministro da Controladoria Geral da União, Jorge Hage, coordena neste momento 450 auditores que estão em campo esquadrinhando nos municípios a máfia das ambulâncias. É a maior auditoria já feita no País na área de saúde. No início da semana, em Brasília, ele lembrou que já existem “documentos e depoimentos de parlamentares que fazem acusações ao então secretário executivo Barjas Negri e ao ex-ministro José Serra”. Hage sustenta que os indícios de envolvimento de Barjas e Serra no esquema têm de ser apurados com rigor. “Em relação a Serra deve ser dado o mesmo tratamento que usaram para incriminar Humberto Costa”, acredita. Ex-ministro da Saúde do governo Lula, Costa foi indiciado pela Polícia Federal por suspeita de formação de quadrilha.

Mestre em administração pública pela University of Southern California, em Los Angeles, e em direito pela Universidade de Brasília, Hage foi prefeito de Salvador, deputado federal constituinte, juiz e consultor da Organização dos Estados Americanos (OEA). Com base nas investigações feitas até aqui pelos auditores da CGU, o ministro está convencido de que os sanguessugas vêm agindo dentro do Ministério da Saúde desde a década passada. O atual governo, diz ele, está destampando um esquema de corrupção que se desenrola, comprovadamente, desde 1998. A ISTOÉ, o ministro Hage concedeu a seguinte entrevista:

ISTOÉ – Pela investigação conjunta da Controladoria Geral com a Polícia
Federal, pode se dizer quando a máfia dos sanguessugas começou a atuar?
Jorge Hage –
Com o Grupo Planam, pelo menos em 1998. Quanto a outros grupos empresariais, que atuam na venda de ambulâncias a prefeituras, temos indícios de que isto vem de época anterior. É o caso do Grupo Domanski. Fixando-nos apenas no Grupo Planam, temos nos levantamentos já feitos de um conjunto de prestações de contas que recolhemos nos núcleos regionais do Ministério da Saúde, focando no período 2000 a 2005, que os anos de 2001 e 2002 foram aqueles em que se destinou um volume maior de recursos à aquisição de ambulâncias. Em 2001, o total de R$ 60 milhões desse conjunto de prestações de contas foi destinado à compra de ambulâncias. E desses R$ 60 milhões, quase R$ 20 milhões foram abocanhados pelo Grupo Planam, o que representa 32,65%. No ano 2002, o total foi para R$ 45 milhões e, desses, R$ 27 milhões foram para o Grupo Planam, o que representa quase 60%. Nos anos 2003 e 2004, os porcentuais abocanhados pelo Grupo Planam caem para 32% e 22%.

ISTOÉ – Os números, então, mostram que o auge da máfia foi nos anos
de 2001 e 2002?
Hage –
Os números mostram e, portanto, confirmam uma declaração do próprio senhor Vedoin de que esse período foi o período de ouro para a Planam.

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ISTOÉ – A investigação mostra que o grupo Planam se infiltrou nos dois governos?
Hage –
Os dados e os números mostram isso. Só não enxerga quem não quer. O que tenho dito e repetido é que esses indícios todos têm que ser apurados independentemente de se referirem a períodos do atual governo ou do governo anterior. A investigação, a apuração tem que ser isonômica, isenta e sem partidarismo. O que não é de se admitir é que o escândalo sanguessuga seja atribuído ao atual governo. O mérito do atual governo foi ter desvendado este escândalo do sanguessuga, foi ter desvendado este esquema. Nenhum governo anterior jamais fez fiscalizações, auditorias e investigações capazes de descobrir o que já estava aí, segundo está absolutamente comprovado, desde o período do governo anterior.

ISTOÉ – Por que a partir de 2003 a Planam começa a abocanhar um porcentual menor das compras governamentais, em relação a 2002?
Hage –
Não tenho condições de dizer ainda a razão pela qual diminuiu. O que tenho por enquanto são os números que mostram que a Planam nadava numa facilidade maior no período do governo passado, que se locupletava com uma participação maior no conjunto das verbas destinadas à compra de ambulâncias, pelo menos julgando pelo universo de prestações de contas que nós temos em mãos, porque isso significa os convênios já executados.

ISTOÉ – Por que o sr. acha que a Planam nadava de braçada no governo anterior?
Hage –
Isso foi dito pelo próprio Vedoin na entrevista a ISTOÉ. O que afirmei confere com os dados financeiros que apuramos até agora, que mostram o crescimento da “cota” da Planam justamente nos anos 2001 e 2002.

ISTOÉ – Como é a origem dos sanguessugas?
Hage –
Com o Grupo Planam, segundo as informações até aqui reunidas, eles
se consolidam em 1998, embora os próprios Vedoin, em seus depoimentos prestados à Polícia, em juízo, revelem que já atuavam em anos anteriores. Atuavam adquirindo veículos do Grupo Domanski, liderado pelo senhor Silvestre Domanski.
A partir de 1998, o Grupo Planam começa a se estabelecer com montagem própria dos veículos em Cuiabá. Anteriormente, quem dominava o mercado, ao que tudo indica, era o Grupo Domanski. Numa carta dirigida a prefeitos, em que esse senhor Silvestre Domanski se apresentava, que consta de um inquérito civil do Ministério Público de Minas Gerais, em 1999 esse senhor já dizia que atuava no ramo há pelo menos 15 anos.

ISTOÉ – A CGU está com quantos auditores fazendo a grande auditoria dos sanguessugas hoje?
Hage –
Nós estamos com cerca de 450 auditores da Controladoria e do Departamento de Auditoria do SUS, do Ministério da Saúde, numa ação articulada, combinada, junto com o ministro da Saúde, em mais de 600 municípios do País, num trabalho de campo, de verificação in loco para confirmar as suspeitas advindas da análise preliminar que fizemos aqui em Brasília com 3.040 prestações de contas, recolhidas nos núcleos do Ministério nos Estados. Aí então programamos esta visita aos municípios onde houve aquisição de ambulâncias do Grupo Planam. Essa fiscalização começou no dia 4 de setembro, com um prazo previsto inicialmente em torno de 45 dias.

ISTOÉ – A CPI anunciou que vai investigar este novo personagem, Abel Pereira, recebendo dinheiro da máfia. A CGU vai dar apoio à CPI nessa investigação?
Hage –
A CGU está disposta a apoiar a CPI em tudo que for da sua competência. Naquilo que depender de algum documento de auditoria, nós estamos sempre abertos a atender a todos os pedidos do presidente da CPI.

ISTOÉ – O sr. diz que no atual governo se ampliou a investigação e aparece
o resultado do trabalho. É um problema de aumento de máfias ou estão descobrindo grupos que agiam há muito tempo?
Hage –
Nós não descobrimos até hoje, no trabalho da CGU desde 2003, nenhum esquema que tenha sido inaugurado no atual governo. Todos os escândalos que nós temos descoberto vêm de governos anteriores e estavam aí alguns deles até em períodos anteriores ao governo anterior. A única novidade que há é que esse governo investiga, fiscaliza, revela e divulga os resultados do seu trabalho, sem esconder nada, sem jogar o lixo para debaixo do tapete. Esse governo assumiu o compromisso, desde o início da instalação da nova Controladoria Geral da União, de trabalhar em parceria aberta com o Ministério Público, o Tribunal de Contas da União e a Polícia Federal. Trabalhamos em parceria com órgãos externos e autônomos em relação ao Poder Executivo. E é por isso que todos esses esquemas que aí estavam estão sendo descobertos da forma que tenho dito: o que este governo fez foi retirar a tampa do esgoto. E todo o mau cheiro que está vindo à tona é algo que estava aí acumulado há muito tempo.

ISTOÉ – Há pouco tempo parece que a mídia teria distorcido uma declaração do sr., que o senhor teria falado que haveria depoimentos de deputados.
Hage –
Houve apenas um lapso, que é perfeitamente compreensível, dos jornalistas que me entrevistaram de pé, no Planalto. Não é nada intencional, imagino eu. Eu me referia ao fato de que as novas declarações do senhor Vedoin, das quais eu estava sendo informado naquele momento pelos jornalistas, e que depois viriam a circular na revista ISTOÉ, deveriam, na minha opinião, ter o mesmo peso que as declarações desses mesmos cidadãos quando elas incriminavam ministros do atual governo. Então eu dizia que elas deveriam ser tratadas com a mesma valoração, o mesmo grau de credibilidade, isto é, com as cautelas devidas às declarações de réus sob delação premiada, mas que mereciam investigação, e que mereciam ser, como todos os outros indícios, cruzadas com outros indícios. Então, eu dizia que, no caso dos ministros do governo anterior, as declarações dos Vedoin deveriam também ser levadas em conta, com as mesmas reservas, e confrontadas com outras declarações e depoimentos.

ISTOÉ – O sr. acha que as novas declarações dos Vedoin incriminam
o ex-ministro Serra?
Hage –
Uma declaração isolada não pode incriminar ninguém. Repito o que já disse: a meu ver, as novas declarações devem ter o mesmo tratamento das anteriores, que foram usadas para acusar outros ex-ministros, ou seja, elas merecem a mesma atenção e a mesma cautela. O que não se pode é atribuir açodadamente “foro de verdade” ao que dizem os réus quando acusam autoridades deste governo e levantarem-se todas as dúvidas do mundo, sobre os mesmos declarantes, quando eles acusam autoridades do governo anterior.

 


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