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Era para ser uma viagem de sonho. Mas conhecer um dos mais relevantes patrimônios históricos da humanidade virou um pesadelo para os turistas que visitaram o sítio arqueológico de Machu Picchu, no Peru, nos últimos dias. Com o país castigado pelas chuvas, o rio Urubamba, que corta o povoado de Águas Calientes, base de apoio para chegar à antiga cidade inca, transbordou, destruindo trechos das margens e colocando em risco construções locais. Entre os cerca de dois mil turistas, até quinta-feira à noite, havia 270 brasileiros, segundo o consulado do Brasil. Até a manhã da sexta-feira 29, 210 haviam sido resgatados de helicóptero, e a expectativa era de que, se o tempo continuasse aberto, o resgate de todos fosse feito. O início das operações foi lento porque o espaço aéreo na região é restrito e a chuva foi incessante até a quinta-feira. Quem enfrentou o inesperado conviveu com o racionamento de comida, água três vezes mais cara e falta de alojamento. Muita gente dormiu pelas ruas e nos vagões dos trens, única forma de acesso a Águas Calientes. Num ato de má-fé, alguns hotéis e albergues aumentaram os preços em até 50%, desde que um deslizamento de terra bloqueou a linha férrea. A estudante de medicina Karina Trindade, 23 anos, de Porto Alegre (RS), ficou quatro dias em Águas Calientes. Pelo celular, contou à ISTOÉ que até a manhã de sexta-feira restavam apenas cerca de 400 turistas, todos com menos de 30 anos. “Muitos ajudaram os militares e a polícia a construir barricadas para que o rio não invadisse as ruas”, contou. Quando o tumulto começou, Karina teve medo. “O resgate de helicóptero só era feito para quem podia pagar e o rio não parava de subir.” Ela passou duas noites nos vagões dos trens parados até receber dinheiro do consulado para dormir em um albergue.

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A força do rio em Águas Calientes, base de acesso às ruínas. Trens viraram dormitórios

Um mutirão do governo local garantiu as refeições. Cada pessoa recebia um carimbo na mão – para não repetir o prato. Havia pão, café com leite, arroz, feijão e maçã. Na sexta-feira 29, Karina estava a caminho de Cuzco e planejava voltar no primeiro voo disponível. No Brasil, Arisa, mãe de Karina, estava nervosa e preocupada. “Só quero que a tirem de lá.” O mesmo sentimento era compartilhado por Vaine Cordova, 51 anos, de Ribeirão Pires (SP), pai de Maria Carolina, 26 anos. “Ela chegou a jantar uma latinha de atum com bolacha. Quando fiquei sabendo, não dormi. Não consegui sair da televisão e da internet.” O arquiteto Jeferson Tavares, 36 anos, conseguiu voltar na  noite da quarta-feira 27, mas não chegou a Machu Picchu. Ele tentou três vezes ir até Águas Calientes e ficou dez horas preso no trem devido ao deslizamento de terra. “Percebi que era grave quando soube dos resgates de helicóptero”, diz. Pior é a situação dos moradores da cidade, que só partirão após todos os visitantes estarem a salvo. O maior drama é da população ribeirinha, que perdeu plantações de milho, casas, pontes e redes de distribuição de água potável, em todo o Vale Sagrado, como é conhecida a área. A economia local, baseada no turismo, é outra vítima. “Para os turistas voltarem, a linha férrea de Águas Calientes precisa ser consertada”, diz Victor Hernandez, gerente de um hotel da região. “E isso vai demorar.”