Nos 53 dias – entre 11 de dezembro de 2001 e dois de fevereiro de 2002 – em que viveu num cativeiro em São Paulo, o publicitário Washington Olivetto teve apenas dois pedidos atendidos pelos raptores, chilenos ligados a atividades clandestinas: cigarros, papel e caneta. Dos cigarros, abdicou logo. Do caderno, que trazia, sarcasticamente, em sua contracapa, a Declaração Universal do Direito dos Animais, não. Escreveu sem parar. No dia em que foi privado de escrever, vingou-se. Arremessou um balde com as próprias fezes contra seus algozes. Depois de insondáveis horas de espera, em que nada acontecia, foi espancado. Três anos depois, Olivetto, que excluiu a palavra sequestro de seu vocabulário e classifica o episódio como “aquele mico”, sente-se desconfortável quando histórias como estas emergem impressas nos três capítulos finais de Na toca dos leões (Editora Planeta, 496 págs., R$ 44,90), do jornalista e escritor Fernando Morais, o mesmo de best sellers como Olga e Chatô, o rei do Brasil. O livro já estava sendo escrito quando Olivetto foi sequestrado, e tratava da história da W/Brasil, agência de publicidade em que ele é sócio majoritário, e que completara 15 anos em julho de 2001. Com o sequestro, Morais interrompeu o trabalho original e iniciou por conta própria uma investigação do crime.

Golden boy – Recolheu farto material inédito que, somado às caudalosas histórias que ouviu do amigo Olivetto, logo após sua libertação, rendeu um instant book – livros feitos rapidamente em decorrência de fato jornalístico – que batizou de Anatomia de um sequestro. Chegou a negociá-lo com a editora Companhia das Letras por US$ 100 mil. Mas, a pedido de Olivetto, abandonou o projeto e devolveu o dinheiro. Olivetto quis ressarci-lo. Morais não aceitou e continuou a fazer “o livro da W”. Até que num momento procurou o amigo e avisou: não dá para não falar do mico.

Na toca dos leões tornou-se então dois livros num só. A primeira parte é uma biografia de Olivetto – coadjuvado pelos seus dois sócios Javier Lhessá Ciuret e Gabriel Zellmeister, que, apesar de serem discretos, revelam biografias bem interessantes. A trajetória do golden boy Olivetto, porém, é única na publicidade mundial. O jovem hippie, leitor dos revolucionários poetas Vladimir Maiakóvski (1887-1942) e Roberto Piva, tornou-se um voraz colecionador de prêmios e contas. Formou com Francesc Petit – o P da agência DPZ – a mais aclamada dupla de criação da publicidade brasileira, que fez nascer, entre outros, o longevo garoto da Bombril, vivido pelo ator Carlos Moreno. Olivetto teve uma saída traumática da DPZ, marcada por pouco gentis acusações mútuas. Mas nenhuma desavença, algumas provocadas pela incontinência verbal, ofuscou o genial inventor de anúncios, boa parte surgidos à luz de acontecimentos reais.

Olivetto fez a fama com um punhado de ótimas idéias, como fazer Paulo Maluf alardear as qualidades do sapato Vulcabrás e ter Vinícius de Moraes como garoto-propaganda do Chevrolet. É dele também a inesquecível adolescente do primeiro sutiã e o casal Unibanco. Suas façanhas criativas são parceiras de um espírito empreendedor e de um afinado, e sempre sintonizado, gosto musical. Além de ter sido, nos anos 80, um dos ideólogos da Democracia Corintiana, modelo até hoje mais libertário existido no futebol brasileiro. Quando se volta ao sequestro, o livro tinge de cinza uma existência reluzente. Entra em ação a bem-acabada reportagem policial que disseca em minúcias uma operação complexa – antes do rapto, os passos de Olivetto eram minuciosamente monitorados – e uma negociação lenta (o pedido inicial era US$ 18,5 milhões). A discussão com os sequestradores era feita em anúncios de jornal como os que requisitavam o serviço de um arquiteto. O valor que a família se dispunha a pagar – bem abaixo do pretendido – deveria aparecer nos anos de experiência profissional exigida. A anatomia do mico está toda lá, inclusive apontando o também publicitário Nizan Guanaes como uma eventual vítima, caso falhasse o rapto de Olivetto. Após a torturante experiência, o publicitário escapou ileso, sem pagar o resgate, e seus sequestradores estão presos. Depois do episódio, ele e sua esposa tiveram um casal de gêmeos.