O desenvolvimento humano sempre se traduziu em impacto à natureza. Os projetos de engenharia implicam rasgar trilhas, derrubar árvores e afastar certos animais de seu ambiente. Para erguer cidades com o conforto da modernidade, é preciso ainda desviar o curso dos rios, nutrir e irrigar lavouras, produzir comida e combustível para a população. Desde os primórdios da industrialização, em 1750, o ritmo dessas intervenções se acelerou. Houve ganhos para o bem-estar e o progresso econômico, só que o custo foi alto demais. Resultado: nos últimos 50 anos, a humanidade se expandiu num tal ritmo que aumentou o risco de um colapso da natureza. As consequências podem vir como proliferação de doenças, falta de alimentos e surgimento de “zonas mortas”, sem peixes, em pleno mar.

Há tempos essas queixas integram a cartilha ecológica. A novidade é que o diagnóstico sobre o planeta partiu da Organização das Nações Unidas (ONU) e foi realizado durante quatro anos por quase 1.500 especialistas de 95 países. Batizado de Avaliação Ecossistêmica do Milênio, o estudo faz um alerta dramático: “A atividade humana solicitou tanto da natureza que não há mais garantias de que os ecossistemas do planeta sustentem as futuras gerações.”

O relatório diz que os seis bilhões de habitantes da Terra poluíram ou destruíram dois terços dos ecossistemas dos quais a vida humana depende, entre eles a água, o ar, o solo e os oceanos. Na semana passada, enquanto a ONU propagava seu alarme, o Canadá dava partida ao que deve ser a maior temporada de caça às focas em décadas. Assim como todos os anos, o governo canadense alegou que a população de focas cresceu demais e por isso autorizou a matança de 320 mil animais nos próximos dois meses.

Ritual macabro – Para os pescadores, conter as focas é questão de necessidade. Na visão deles, os animais são os culpados pela falta de peixes na costa canadense. Já não é a primeira vez que o Canadá comete esse erro. Foi por pescar demais bacalhau nas águas do Atlântico Norte que os mesmos canadenses da província de Newfoundland tiveram que controlar os anzóis a partir de 1980. Naquela ocasião, suspendeu-se o cruel massacre das focas. O motivo foi a pressão da sociedade mundial, chocada com as imagens das pancadas desferidas sobre os bichos e as manchas de sangue que tingem o gelo, num ritual macabro.

A temporada de caça também é exemplo do mau aproveitamento dos recursos naturais denunciado pela ONU. O uso intensivo de quaisquer recursos, sejam cardumes de peixes, sejam toras de madeira, produz vantagens de curto prazo, mas tende a promover perdas no longo prazo.

Com exceção dos locais de difícil acesso, o restante do planeta foi significativamente transformado ao longo da história. As mais profundas mudanças foram a conversão de florestas em pastagens, o desvio e o represamento de água e o sumiço de corais e manguezais. A perda na diversidade de plantas e animais é outro sintoma de anomalia. Por força da pressão humana, os ciclos naturais de extinção aceleraram entre 50 e mil vezes em meio século. Em algumas regiões do planeta, de três a cinco em cada dez animais e plantas correm o risco de sumir antes mesmo que se saiba se eles contêm propriedades essenciais para curar as doenças que afligem a humanidade.