Em junho de 2004, quando retornou ao Paraguai para se entregar às autoridades locais, o general da
reserva Lino César Oviedo, ex-comandante do Exército, era considerado o “inimigo público número 1” do país: foragido há cinco anos e exilado no Brasil, a ele se atribuíam quase todos os desatinos sofridos nos últimos tempos pelos paraguaios. Ele foi preso imediatamente, para cumprir uma sentença de dez anos de cadeia por uma suposta tentativa de golpe em 1996 contra o presidente Juan Carlos Wasmosy. Mas contra Oviedo pesavam – e ainda pesam – acusações mais graves, como a de ter sido o mentor intelectual do assassinato do vice-presidente Luís María Argaña, em 1999, e, na sequência, ter ordenado a violenta repressão às manifestações contra o então presidente Raúl Cubas, seu aliado – um episódio que resultou na morte de seis estudantes. Na conta do general era debitada, também, uma fracassada rebelião militar ocorrida em 2000 em Assunção (capital). Hoje, embora Oviedo continue preso no quartel de Viñas Cué, nos arredores da capital, os paraguaios começam a vê-lo como uma vítima de manobras inescrupulosas e, aos poucos, o ex-militar começa a recuperar a popularidade que teve no passado, o que o torna um personagem cada vez mais incômodo ao governo do presidente Nicanor Duarte Frutos. Durante os dias de visita (terças, quintas e sextas-feiras), multidões se aglomeram em torno do quartel com faixas de apoio, tentando acenar para o general de longe, quando ele aparece no pátio. A quem o visita no cárcere, ele distribui “santinhos” com promessas altissonantes (“Voltei, me libertarei e governarei o Paraguai”), nos quais assina: “Lino Oviedo. Sequestrado político.” De quebra, o visitante leva um CD com hinos e guarânias em sua homenagem. Tudo isso não passaria de folclore político não fosse por um pequeno detalhe: segundo uma pesquisa do Centro de Informação e Recursos para o Desenvolvimento (Cird), Oviedo, que é o líder do partido União Nacional dos Cidadãos Éticos (Unace), seria o político mais capacitado para tirar o Paraguai da crise. Entre várias lideranças, o general aparece com 28,2% das preferências, contra 18,7% do presidente Duarte Frutos. Em 2003, quando assumiu, o mandatário tinha 64,1%, contra 10,6% de Oviedo.

Isso não acontece por acaso. Nos últimos tempos, veio à tona uma série de irregularidades nos processos e acusações que lhe foram movidos. Tanto que numa dessas acusações – o incitamento à revolta militar de 2000 – ele foi absolvido há um mês pela Corte Suprema de Justiça. Acionado pelos advogados de Oviedo, o procurador-geral de Justiça, Oscar Latorre, negou um pedido de habeas-corpus em favor do general. O problema é que o próprio Latorre é um personagem profundamente envolvido na trama que enreda o ex-comandante do Exército. Antes de ser o procurador-geral, ele era um dos advogados do vice-presidente Luís María Argaña, supostamente assassinado por sicários a mando de Oviedo no dia 23 de março de 1999. Esse crime abalou o país e levou, em poucos dias, à queda e ao asilo do presidente Raúl Cubas e de Oviedo, adversários políticos do argañismo no Partido Colorado e acusados por este de serem os autores morais do crime. Mas, como ISTOÉ revelou há quase dois anos, o atentado contra o vice-presidente não passou de uma macabra armação. ISTOÉ mostrou, com base em análises sobre a autópsia e balística feitas por respeitados peritos brasileiros e argentinos, que Argaña já estava morto quando recebeu os tiros, naquela fatídica manhã de março.

Universo kafkiano – Agora, ISTOÉ teve acesso a vários documentos oficiais sobre as supostas evidências que ligariam Oviedo ao assassinato de Argaña. Dessa papelada, depreendem-se absurdos dignos de O processo, de Franz Kafka. Veja, por exemplo, o laudo elaborado pelo FBI (Polícia Federal americana) em 19 de maio de 1999, a pedido do governo paraguaio. Segundo esse relatório, as balas extraídas do cadáver de Argaña foram disparadas por um revólver calibre 38, e as balas e cartuchos encontrados no local do crime eram de uma pistola calibre .380, provavelmente uma Glock. Os documentos mostram também as contradições nos depoimentos do réu confesso Pablo Vera Esteche, condenado a 18 anos de prisão. Em um deles, Esteche disse ter usado uma escopeta calibre 12 no dia do crime, arma que teria sido adquirida em um assalto em 1998. Utilizada em outro assalto 15 dias depois do atentado, a arma teria sido apreendida pela polícia. Apesar de o relatório da Polícia Nacional afirmar que a escopeta apreendida não foi a mesma usada no atentado, esse fato foi utilizado como uma das provas de apoio para condenar os supostos assassinos.

Mas tudo isso são apenas detalhes para a impávida Justiça paraguaia; tanto que, na semana passada, a Corte Suprema determinou que o julgamento da corte marcial que condenou Oviedo a dez anos em 1998 não feriu nenhum preceito constitucional do Paraguai. O fato reforça a hipótese de que os procedimentos jurídicos neste caso foram claramente substituídos por interesses políticos. Com a popularidade de Oviedo em alta, não interessa ao governo – nem à oposição – que ele seja libertado para eventualmente disputar e ganhar a eleição presidencial, que só ocorrerá em 2008. Assim, só resta a Oviedo apelar para o exterior e esperar uma decisão da Corte Internacional de Justiça ou da Comissão de Direitos Humanos da OEA, que visitará o país em maio.