Os feiticeiros do Palácio do Planalto cozinharam, durante três meses, uma gororoba conhecida pelo cabalístico 232. É o número da Medida Provisória que corrige em 10% a tabela do Imposto de Renda de sete milhões de trabalhadores assalariados, devolvendo cerca de R$ 2,5 bilhões ao bolso dos contribuintes, mesmo com a oposição da equipe do ministro da Fazenda, Antônio Palocci. Era uma velha reivindicação das centrais sindicais, que o presidente Lula anunciou com pompa no final do ano. No último dia de 2004, a boa mágica do Planalto foi desfeita: um feiticeiro malvado enxertou, na MP, um aumento de 25% nos tributos dos prestadores de serviços, pequenos produtores rurais e até hospitais, mordendo 230 mil pequenas empresas em cerca de R$ 1,5 bilhão – malvadeza que o governo camuflou como “compensação” pela perda da correção. Se aumentasse em 10% a carga tributária dos bancos, teriam conseguido o mesmo efeito. Mas o feitiço virou contra os feiticeiros. Na quinta-feira 31, o governo capitulou – anunciou a morte da 232, preservando apenas a correção da tabela do IR.

Como na semana da votação da Lei de Biossegurança e do projeto de aumento dos parlamentares, a opinião pública se mobilizou para pressionar a Câmara, congestionando seus corredores e computadores com o caldo quente da indignação nacional. A química palaciana se dissolveu na rala base aliada da Câmara, transformada em geléia pela desarticulação política, e esbarrou de novo em Severino Cavalcanti (PP-PE), o presidente da Casa, que se tornou o mago de um persistente confronto com o Planalto. “Por que o Legislativo tem que se submeter, sempre, à vontade imperial dos governos?”, perguntava ele aos líderes partidários, na terça-feira. A fragilidade do governo e truques como a MP 232 transbordaram a paciência dos deputados. “O governo Lula não tem comando”, admira-se o líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN). “A MP já está derrotada na sociedade”, reconhecia na quarta-feira o líder do PSB, Renato Casagrande (ES). “O desconforto na bancada é muito grande. Querem que votemos contra uma proposta que sempre foi do PT”, reclamou o deputado petista Chico Alencar (RJ).

Sem a cumplicidade de outros tempos do presidente da Câmara, o Planalto não consegue fazer mágicas com Severino, que botou a MP em votação num momento de ebulição do governo, ainda traumatizado pela reforminha de Lula que não arrumou nada em casa. O ministro da Articulação Política, Aldo Rebello, recuperou a função, dissolvendo as esperanças do PT de vê-lo substituído pelo ministro José Dirceu, que dava na semana passada sinais públicos de desesperança para ilustres aliados. “Estou cansado. Fiquei na mão com esta reforma”, admitiu ao ministro Eunício Oliveira (PMDB-CE), das Comunicações. Os bruxos do Planalto terão que raspar o tacho para descobrir o antídoto para tanta feitiçaria desastrada. Muita gente não acredita em bruxos, pero…