Para cientista político, pacote de bondades de Dilma é uma tentativa de atingir o eventual novo governo, a atual recessão já levou embora todas as conquistas dos últimos anos e, se assumir, Temer não pode agir como interino

Observador da política nacional há 50 anos, o sociólogo e cientista político Bolívar Lamounier, sócio diretor da Augurium Consultoria, pede desculpas pelo tom raivoso que tem adotado nas críticas ao governo. “Sempre me disciplinei a ser ponderado”, afirma. “Mas, de cinco anos para cá, conclui que não dá.”

Para Lamounier, membro da Academia Paulista de Letras e autor de diversos livros sobre a sociedade brasileira, a corrupção no País chegou a um nível inimaginável há poucos anos e afetou dramaticamente a imagem do Brasil no Exterior. Mas o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e o andamento da Operação Lava Jato são passos importantes rumo ao amadurecimento da democracia.

“O Brasil está passando por uma crise saudável, mas profunda”, afirma. Nesse cenário, o sociólogo é otimista de que um eventual governo de Michel Temer, com Henrique Meirelles e José Serra, seria capaz de recuperar a credibilidade do Brasil. Da espaçosa sala da casa onde vive há 15 anos, num bairro nobre de São Paulo, Lamounier recebeu a reportagem da ISTOÉ na semana passada.

ISTOÉ – Na quinta-feira 5, o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki afastou Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados. Essa decisão veio tarde?

Bolívar Lamounier – Queremos que essa limpeza seja feita o mais rápido possível, não só do Cunha, como a do Renan Calheiros e vários outros. Especificamente em relação ao Cunha, está em curso uma tentativa de afastá-lo de maneira que invalidaria o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. É um recurso impetrado pela Rede. Isso evidentemente seria uma tentativa de golpe. Entendo que a decisão do Teori matou dois coelhos numa cajadada: afastou um homem acusado de corrupção e invalidou a tentativa de golpe por parte da Rede. Não é cedo nem tarde, veio no momento certo.

ISTOÉ – Para Cunha, essa seria uma interferência indevida do Judiciário no Legislativo. Esse pedido de afastamento é legítimo?

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Bolívar Lamounier – Há duas coisas cuja legitimidade merece ser discutida: tanto o recurso da Rede quanto a decisão do Teori. Em ambos os casos, haveria uma intervenção, a meu ver, indevida do Supremo no Legislativo. Agora, se isso iria acontecer, por meio do Marco Aurélio Mello (relator da ação da Rede contra Cunha), podemos ver a ação do Teori como uma espécie de contragolpe preventivo. Já vimos isso antes. Em 1955, o Marechal Lott deu o chamado “golpe da legalidade”. Parece uma contradição em termos, mas é porque havia uma tentativa de impedir a posse do Juscelino Kubitschek. Ele, então, afastou o presidente interino antes. Infelizmente são coisas de um país cujas instituições ainda não estão bem consolidadas.

ISTOÉ – Ter Cunha na linha sucessória seria uma mancha num eventual governo de Michel Temer. Essa é uma boa notícia para o vice-presidente?

Bolívar Lamounier – Sem dúvida. Quanto mais clara ficar a linha sucessória, melhor. Infelizmente o substituto (Waldir Maranhão, do PP-MA) também parece ter uma ficha corrida considerável. O Brasil está passando por uma crise saudável, mas profunda. Uma crise de limpeza que há muito tempo se fazia necessária.

ISTOÉ – Como o sr. enxerga a narrativa de vitimização do PT?

Bolívar Lamounier – O PT tem discursos oportunistas, cada um improvisado de acordo com as circunstâncias. O partido tomou 50 vezes a iniciativa de impeachment desde o governo Sarney. Em todos os casos, ele considerava legítimo. Quando ele está no poder, não é? Tenho dificuldade de levar a sério qualquer discurso jurídico que venha do PT.

ISTOÉ – Nas últimas semanas, a presidente Dilma tem se dedicado a um “pacote de bondades”, num momento em que a agenda é de ajuste fiscal. Como o sr. avalia essas medidas?

Bolívar Lamounier – Repito: não levo a sério o discurso petista. Um dia, é preciso arrochar. No outro dia, tem pacote de bondades. E assim se sucede a cada semana, uma contradizendo a outra. São decisões populistas, irresponsáveis e inimigas do Brasil. Dilma está cansada de saber que as contas têm um rombo terrível. E demagogicamente, no apagar das luzes, ela resolve gastar mais.

ISTOÉ – É uma atitude desesperada?

Bolívar Lamounier – Pior. É uma tentativa de atingir o mandato do futuro presidente. O País que se dane.

ISTOÉ – A recessão atual é uma das mais graves da história do País. Os ganhos com a queda da desigualdade nos últimos anos estão em risco?

Bolívar Lamounier – Os ganhos foram muito menores do que o governo costuma propalar. Mas é claro que essa recessão já levou embora todos essas conquistas. Tudo virou pó. A destruição de riqueza a que estamos assistindo, devido à crise econômica, não tem paralelos na história do Brasil.


ISTOÉ – No fim do ano passado, o sr. publicou um artigo criticando a paralisia das elites em relação à crise. Recentemente, porém, alguns empresários se organizaram em favor do impeachment. Esse foi um ponto de inflexão?

Bolívar Lamounier – Hoje escreveria um pouco mais aliviado do que em novembro. Estava vivendo uma grande angústia, porque via o País ser destruído e a sociedade não se organizava. Foi quase um apelo. Onde estava o instinto de defesa dos empresários, que viam suas empresas construídas ao longo de gerações irem para o vinagre? Umas à falência, outras endividadas em moeda estrangeira. Vivemos cinco anos de uma gestão criminosa. Dizer que isso é pura incompetência é pouco. Porque uma pessoa que desconhece o labirinto da vida pública, que não sabe nada de economia, que não tem tino para escolher auxiliares nunca devia ter se prestado à farsa de se eleger presidente da República. E é óbvio que foi uma farsa montada pelo Lula, porque, com seus próprios votos, Dilma não se elegeria nem vereadora.

ISTOÉ – Durante esse período de instabilidade, como fica a imagem do Brasil no Exterior?

Bolívar Lamounier – Péssima. O Brasil no Exterior é hoje uma grande piada. Faço a ressalva de um período em que o Lula conseguia vender a imagem do Bolsa Família. Ponto para ele. Quanto ao resto, a imagem do Brasil nesses 13 anos foi catastrófica. Viramos amigos do tirano do Irã, do Chávez na Venezuela, do Morales na Bolívia. Foi uma política externa caótica, insensata, desprovida de qualquer significado.

ISTOÉ – Como fazer para resgatar essa imagem?

Bolívar Lamounier – A primeira coisa é mandar a Dra. Dilma para casa, impedir o Lula de fazer novos estragos, e deixar o governo Temer assumir efetivamente com um programa respeitável. E isso não é prometer o paraíso para depois de amanhã. Ele tem que comunicar à sociedade que vai recuperar a situação econômica e o crédito do governo junto à sociedade passo a passo. Isso pode levar seis meses, um ano, não sei. Mas Temer não pode se assumir como interino. Dois anos é tempo suficiente para um novo governo.

ISTOÉ – Quais obstáculos Michel Temer deve enfrentar se de fato assumir a Presidência da República?

Bolívar Lamounier – O principal é a estrutura política brasileira. Ela é desnecessariamente complicada. O Brasil não precisa de tantos partidos. Na hora de qualquer modificação, vem pressão de todos os lados, mal se consegue montar uma equipe. Temer já está recuando da meta de eliminar ministérios. Cortá-los pela metade é questão de bom senso, economia e eficiência. Mas não se consegue cortar pela mesma razão que eles foram implantados. A reforma política é a mãe de todas as guerras e, nesses dois anos do Temer, não há condições de tocá-la. O que podíamos fazer era aprofundar os estudos a respeito disso.

ISTOÉ – Num eventual governo Temer, o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles é dado como certo na Fazenda. Como ele poderia ter uma atuação mais bem-sucedida que o ex-ministro Joaquim Levy?

Bolívar Lamounier – Meirelles tem mais densidade política. Já foi ministro durante muitos anos, passou por muitas trovoadas. O Levy é um grande economista e uma pessoa seríssima, mas não tinha a força que Meirelles tem. Além do mais, Levy estava sendo sabotado diariamente. Ele era um ministro liberal num governo de Dilma Rousseff. Não há proposições mais antitéticas do que essas duas. Dilma tem cabeça estatizante. Para ela, empresa privada é um incômodo que ela tolera. Evidentemente não é uma pessoa que tem simpatia pela economia capitalista. Meirelles, junto com Temer e (José) Serra, será um fator preponderante nessa recuperação da credibilidade do governo aqui e no Exterior. É preciso recuperar a confiança de que o governo não vai cometer imprudências.

ISTOÉ – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou o Planalto com a popularidade em alta. Hoje foi impedido de se tornar ministro da Casa Civil. Como o sr. vê essa transição?

Bolívar Lamounier – Quem, neste País, poderia imaginar o conluio do Lula com os grandes empreiteiros? Eu nunca achei que ele fosse essa santidade, mas o grau da coisa nunca pude imaginar. Lula saiu da Presidência com 83% de aprovação graças ao seu talento, mas principalmente à China, que estava crescendo 10% ao ano e sustentando o Brasil. Porque o Lula não fez nada no plano interno em favor do crescimento econômico. Não fez reforma estrutural nem nas relações de trabalho nem tributária. Não fez nenhuma grande obra de infraestrutura. Ele entregou o governo ao Meirelles – nisso ele foi muito sagaz – e voltamos a ser um país exportador apenas de matéria-prima, como há 100 anos. Como isso rendia uma soma extraordinária de recursos, ele pôde se tornar extremamente popular distribuindo bondades e virou uma pessoa praticamente sem inimigos.


ISTOÉ – Ao fim desse processo, a democracia sairá fortalecida?

Bolívar Lamounier – Não tenho dúvidas. O processo da Petrobras caiu nas mãos de um juiz competente, enérgico, especializado em lavagem de dinheiro, que estudou profundamente nos Estados Unidos questões relacionadas à corrupção. Começamos a ver coisas que nunca tínhamos visto, como empresários na cadeia. Temos que admitir. Uma parte por nossas qualidades enquanto país e uma parte por sorte, demos um grande passo adiante. E acredito que isso seja, em seu conjunto, irreversível.


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