Midas das artes e dona de uma das maiores fortunas da Venezuela, a empresária que vive hoje entre Havana e Miami diz que, se a estrutura política brasileira não for remodelada, o País não mudará

A exposição “Venceremos”, do artista cubano René Francisco, foi o motivo da última visita de Ella Cisneros ao Brasil. Presidente da fundação Cisneros Fontanals Art Foundation, em Miami, Ella foi a curadora da exposição na galeria Nara Roesler, em São Paulo, que tem como base a imagem de seres humanos como tubos de pastas de dente.

 

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”VENCEREMOS”
Ella posa diante de um dos trabalhos do cubano René Francisco,
em São Paulo, na exposição da qual é curadora

 

É uma referência ao tempo em que as famílias cubanas tinham direito a apenas um tubo de creme dental por mês. A empresária, nascida em Cuba e criada na Venezuela, fundou em 2003 o seu próprio museu, Miami Art Central (MAC), e é celebrada como uma das maiores colecionadoras do mundo. Seu trabalho ajudou Miami a se desenvolver como polo de artes visuais. Ela vive entre Havana e Miami e se dedica a divulgar a arte cubana. Por 33 anos, Ella foi casada com o magnata venezuelano Oswaldo Cisneros, um dos homens mais ricos da Venezuela.

 

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”Fazia dois anos que eu não ia à Caracas. Fui votar. Foi triste.
Não pude ir até a minha casa por causa da violência. Mal saí do hotel”

 

Eles se divorciaram em 2001, mas permanecem amigos e próximos. “A vida nos levou para caminhos diferentes. Mas até hoje nos apresentamos como marido e mulher. Oswaldo brinca que dá muito trabalho explicar”, diverte-se Ella, 65 anos. Na passagem pelo Brasil, a empresária falou à ISTOÉ sobre a crise brasileira, o momento de abertura em Cuba e contou sobre o impacto de sua última viagem à Venezuela.

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”A visita de Obama foi como uma nuvem de esperança. Os cubanos ficaram
fascinados. Ele chegou a ir a um programa de humor local”

 

ISTOÉ

 Qual é a sua impressão sobre a crise brasileira?

Ella Cisneros

 Eu vi essa situação não só na Venezuela, mas em outros países. Os países da América Latina têm um perfil de políticos e um padrão de governantes. Se a gente comparar com as nações mais desenvolvidas, podemos separar o que é política e o que é administração nos Estados Unidos e na Europa.  Nos nossos países latino-americanos, a administração muda de acordo com a política. Nos Estados Unidos, os profissionais da administração ficam lá. O posto que muda é o de chefe. Os demais permanecem. Se não há construção de um sistema econômico forte, chegamos aos desastres que temos por aqui. Infelizmente, se você analisa como os governos da América Latina tem funcionado, quem governa quase nunca teve uma empresa ou nada. Governo é uma palavra abstrata.  Tem gente passageira que aproveita a oportunidade para exercer o poder ou para o que for. Hoje, vocês estão vivendo essa situação no Brasil. O processo no Brasil é de busca de responsáveis. Mas se você não muda o sistema, o país não muda. Vai voltar a acontecer a mesma coisa. É o que acontece na Venezuela. E em outros países latino-americanos. 

ISTOÉ

 Como a sra. vê o momento na Venezuela?


Ella Cisneros

 O momento é muito grave. O país está quebrado, as empresas estão quebradas. Fazendas não produzem mais leite, as empresas não produzem mais petróleo. Tudo isso foi nacionalizado e não se produz mais nada. Necessitamos reestruturar muitas coisas para os empresários voltarem a investir. É um país tão rico, que poderia prover tantas coisas e tantas pessoas. Mas políticos são sempre políticos, não são práticos. E precisamos de gente prática, que conhece o país, que conhece administração e quer produzir. Não sei se esses senhores (ela se refere à Nicolás Maduro e ao chavismo) que estão governando têm a capacidade para gerir o país. Muitas matérias-primas são importadas, mas não há dinheiro para comprar e produzir. No nosso grupo, nós vendemos a Pepsi-cola e hoje temos uma companhia de telefones celulares. Mas, na Venezuela não há dinheiro para importar e comprar telefones celulares. Temos ainda uma  empresa de plástico, outras indústrias,  além de companhia de petróleo.  

ISTOÉ

 Como foi sua última visita à Caracas?

Ella Cisneros

 Foi tão triste. Fazia dois anos que eu não ia à Venezuela. Fui votar para as eleições legislativas (quando a oposição venezuelana derrotou os socialistas do governo e conquistou a maioria do Legislativo pela primeira vez em 16 anos, formando uma plataforma para desafiar o presidente Nicolás Maduro).  Há tanta violência que mal pude sair do hotel. Não pude chegar à minha casa, que fica numa montanha, perto de Caracas. As pessoas me diziam que era perigoso ir para lá e acabei ficando em um hotel, e quase não saí de lá, também. Falavam que, se eu saísse à rua, poderiam me matar para roubar sapatos, carros e outras coisas. 

ISTOÉ

 Como seu ex-marido, Oswaldo Cisneros, vê o futuro lá?

Ella Cisneros

 Com muita pena. Foram tantos anos investindo. Negócios que custaram tanto trabalho e esforço. E esta situação, não sabemos onde vamos parar. É triste. 

ISTOÉ

 O Brasil pode se tornar um país como a Venezuela?


Ella Cisneros

 Espero que não. Espero que o Brasil não vire a Venezuela. Igual, eu creio que não ficará. O Brasil tem muitas riquezas. Mas esquecem que a educação é a base para levantar qualquer país. Na América Latina em geral, os governantes não abrem universidades, não dão transporte para as crianças irem à escola, não dão incentivos para os professores, não investem nos colégios públicos. Não dão condições básicas. É isso que faz um país. Se a maioria é educada, essa maioria pode levar a nação para outro nível.

ISTOÉ

 Como a sra. observa o processo de impeachment  contra a presidente Dilma?

Ella Cisneros

 Vejo que a situação vai mal, e está insustentável. Mas impeachment apenas não resolve se não mudar a estrutura como o País está organizado. Enquanto tiver gente que não tenha conhecimento e consciência gerenciando milhões e bilhões, em todos os governos, vão fazer o quê? Roubar. Aqui é como se os empresários, pessoas que conhecem administração, tivessem medo da política, de entrar na estrutura política. 

 
ISTOÉ

 Por que?

Ella Cisneros

 É como se fossem inimigos: os que sabem de gestão e os políticos.  Eu estava dizendo esses dias para um empresário brasileiro: vocês têm que mudar a estrutura política. No resto da América Latina, é a mesma coisa.  Tem que mudar o sistema. Por que a gente tem que deixar os políticos façam isso com o dinheiro público? A maior parte das pessoas que estão nos  governos da América Latina nunca administraram nada. Ponham bons administradores para trabalhar nos governos. Mas tem que pagá-los bem. Ninguém quer ir trabalhar para os governos porque pagam dois centavos.  Os governos deveriam funcionar como empresas. Na Venezuela, há empresários que já levantaram uma empresa do zero, como já fez o meu marido. Quantas vezes ele já colocou uma empresa para produzir em dois anos? Umas 100 vezes. E as pessoas que estão no governo não sabem fazer isso. As mudanças pelas quais este país tem que passar devem ser feitas pelas pessoas que têm experiência. Gente que sabe. Muito mais eficiente do que dar benefícios de mão beijada, seria abrir escolas boas, universidades e centros para desenvolver líderes nas comunidades. 

ISTOÉ

 A sra. nasceu em Cuba e foi criada na Venezuela. Hoje vive entre Cuba e Miami. Como avalia a abertura em Cuba, agora com a visita Obama?

Ella Cisneros

 Apesar das mudanças não virem no tempo que desejamos, a visita de Obama foi como uma nuvem de esperança. Trouxe algo de paz e de entendimento. Não são as mesmas ideias nem a mesma linha de pensamento do governo cubano, mas pelo menos hoje é  possível sentar à mesa e discutir. Falar e dialogar, depois de 60 anos, é muito importante e saudável. Os cubanos ficaram fascinados com Obama. Ele chegou a participar de um programa de humor local. Em Havana velha, ele foi cumprimentar as pessoas nas casas. Obama defendeu a democracia e foi duro com certas coisas, mas creio que não haverá um resultado imediato.

ISTOÉ

 Como aconteceu seu retorno para Cuba?

Ella Cisneros

 Tenho meu irmão em Cuba, e fui visitá-lo depois de 22 anos. Não podia voltar. Fui embora aos 13 anos com meus pais para a Venezuela e não podia voltar. Depois pude retornar de férias, já casada. Em 2010, fui à Havana porque queria experimentar andar pelas ruas, queria conhecer o trabalho dos artistas, comprar seus trabalhos. Me surpreenderam as coleções. Eu estava muito separada de Cuba, me sentia isolada. Decidi comprar uma casa em 2011, mas precisava reformá-la. Mas minha casa é alugada. Não posso comprar casa em Cuba. É uma casa linda, que redecorei para viver lá, mas é alugada. Sou dissidente e não temos direito a ter casa. Digo que sou cubana, mas uma cubana de segunda categoria. Posso ficar em Cuba, mas não posso ter lá meu barco nem meu avião, por exemplo.

ISTOÉ

 Como a arte cubana expressa essas mudanças no país?

Ella Cisneros

 A arte em Cuba é muito preparada. Eles tem uma universidade de artes importante. Os artistas tem uma preparação fantástica. Desde cedo, Eles aprendem também o dom da palavra para apresentar suas obras. Há uma formação muito completa.

ISTOÉ

  A sra. passa a maior parte do tempo lá?

Ella Cisneros

 Passo 60% do tempo em Cuba. Tenho minha casa e meu escritório em Miami, mas não passo mais de 4 meses na Flórida. Fico ainda na Espanha, onde tenho uma casa. 

ISTOÉ

 A sra. já esteve com Raul Castro?

Ella Cisneros

 Não. Já estive com suas filhas. Fidel conheci, há muito tempo, por conta do meu marido (que representava a Pepsi na Venezuela).  Em Cuba eles tem Tropi-cola. Uma vez, Fidel nos disse que não se podia diferenciar a Tropi-Cola da Pepsi-Cola ou da Coca-Cola e me sugeriu que adivinhasse o que era o que. Eu diferenciei perfeitamente. Ele ficou surpreso. Fidel pensava assim, mas tudo tem um outro lado.

ISTOÉ

 O que a sra. imagina para Cuba nos próximos dois anos? 

Ella Cisneros

 Não sei. A estrutura está planejada para que o vice, Diaz Canel, suceda Raul Castro. É uma situação complexa.  Mas haverá mudanças. Estou em Cuba porque sou otimista e creio que as coisas podem mudar. As mudanças são necessárias. Toda a gente sofre muito. Imagine, há pouco tempo o rock era proibido. 

ISTOÉ

 O que significou o show dos Rollings Stones em Havana?

Ella Cisneros

 Foi como mandar uma mensagem ao mundo: as coisas podem mudar. Estamos em outra Cuba. 

O governo deve entender isso e fazer mudanças. 


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