Houve um tempo em que se fazia política com base no chamado “fio do bigode”. Composições eram construídas em torno de interesses comuns e seladas a partir da confiança e de compromissos verbais. Havia negociação, ganha-ganha e, desde que o mundo é mundo, corrupção. Mas existia também uma espécie de código de honra e a palavra dos políticos ainda tinha crédito na praça. Hoje, a regra é a venalidade e crédito passou a ser apenas uma modalidade de pagamento em um amplo mercado de votos. Diante da ameaça do processo de impeachment, por exemplo, as forças governistas assumiram abertamente a posição de compradoras. Instalaram um balcão em um hotel brasiliense e fazem ofertas generosas (em cargos e verbas oficiais) a quem se propuser a emprestar sua voz (ou seu silêncio) a Dilma na votação do plenário da Câmara. A inovação do processo é a forma de pagamento: como numa compra à vista com cartão, o governo quer levar a mercadoria no ato e pagar apenas um mês depois. Foi a própria presidente Dilma quem avisou. Mudanças no ministério e nomeações de apoiadores só após a votação.

Dilma, evidentemente, não quer correr riscos com eventuais traidores. Como sabe com quem está lidando, não aceita tratos no fio do bigode. Para ela, a regra é a desconfiança. O que pode lhe custar caro é o fato de ter dito o que disse em meio ao processo de negociações. Nesse clima, é de se compreender que muitos dos interlocutores de sua tropa de choque se julguem também no direito de desconfiar da intenção do governo de, uma vez ganhando a parada, pagar a conta assumida antes da votação. Dilma e o PT têm histórico de inadimplência política – sobretudo com o eleitor, a quem venderam uma candidatura ilusória e entregaram uma gestão incompetente e desvinculada de seus compromissos de campanha. Ao trazer Lula de volta para o círculo governamental, Dilma procurou emprestar dele um pouco da credibilidade que um dia ele exibiu ao fazer acordos políticos. Ocorre que os fios da barba do ex-presidente também já não valem o que já valeram no passado. Assim, tem muita gente do lado vendedor que prefere receber antes e entregar depois.

Eis um dilema típico das negociatas. A desconfiança é a mola da traição, o ovo da serpente que envenena relações nas organizações criminosas. Pode ter o mesmo efeito no ambiente meramente “comercial” do comitê de salvação de Dilma. Até porque, pelos cálculos de políticos experientes, os prepostos da presidente, com sua generosidade nas ofertas de compra de aliados, estão promovendo uma espécie de pedalada política. Mesmo após ter criado mais três mil cargos de confiança apenas esse ano (isso depois do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, ter prometido reduzi-los em nome da austeridade fiscal), tem ficado claro a muitos que alguns postos já foram negociados com diversos interlocutores e que, com isso, o limite de “crédito” do cartão que Dilma emprestou a Lula já estourou há algum tempo.