No fim de fevereiro, o humorista Tom Cavalcante foi com sua família a Orlando, nos Estados Unidos, participar de um programa de TV. Na primeira noite, passou a sentir falta de ar e teve febre alta, de até 40ºC. Dias depois, a esposa Patrícia e a filha Maria apresentaram sintomas parecidos, porém mais intensos. Eles ainda não sabiam, mas eram as novas vítimas da gripe do tipo H1N1, que já conta com centenas de casos no País, muitos deles fatais. Como o surto desembarcou no Brasil mais forte, mais cedo e com mais gravidade este ano, provocou uma corrida da população a médicos e postos de saúde. O resultado? Longas filas e desabastecimento de vacinas e remédios, uma vez que as autoridades não estavam preparadas. Cavalcante acredita que contraiu o vírus ainda em São Paulo, onde a crise é maior. Apesar de sentir-se mal, o artista passou uma semana no exterior, gravando doente, e quando desembarcou de volta ao Brasil foi direto ao hospital.  Após o diagnóstico de H1N1, o humorista e a família ficaram internados por cinco dias. “Tive um cansaço muito grande, sonolência. Ficamos caídos demais”, diz. “Tenho condição de pagar um suporte mais sofisticado, mas a maioria da população está à mercê da própria sorte. E a epidemia está descontrolada”, afirma Cavalcante, já totalmente recuperado.

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MEDO
Pacientes usam máscaras para se proteger do H1N1 em pronto-socorro público lotado (acima).
Pais de crianças doentes esperam a vez em longa fila de hospital privado (abaixo)

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Neste ano, o H1N1 chegou mais cedo ao Brasil, castigando especialmente São Paulo. Tido como um mal do frio, até o fim do verão de 2016 ele já havia matado no País 28% a mais do que em todo o ano passado. Entre os paulistas a situação foi pior: quase três vezes mais fatalidades e 700% mais casos no mesmo período. Desta vez, a gripe veio antes provavelmente por dois motivos. Primeiro, porque pessoas contaminadas no hemisfério norte (onde é inverno) trouxeram a infecção, que se alastrou. Segundo, porque o número de vacinações em 2015 ficou abaixo do esperado, resultando em mais pessoas suscetíveis à doença. Mas pesquisadores conjecturam que até o fenômeno climático El Niño possa ter alguma culpa nessa história. “É uma surpresa enorme quando uma doença comum na época de frio começa tão precocemente”, diz o infectologista Marcos Boulos, professor da Universidade de São Paulo e coordenador de Controle de Doenças do estado.

O que mais tem preocupado é o grande número de mortes decorrentes do H1N1 este ano. Elas estão diretamente relacionadas ao aumento de casos, mas há outros fatores. A gripe é perigosa quando causa nos pacientes insuficiências respiratórias graves, que podem ser fatais. Normalmente, as maiores vítimas são idosos, diabéticos e cardiopatas. Ainda que esses grupos continuem sob risco, cerca de 50% das mortes em 2016 se deu entre adultos na faixa etária de 40 a 60 anos, parcela que normalmente está mais isenta e não é alvo costumeiro das campanhas de vacinação. “O H1N1 parece ser mais agressivo do que outros subtipos virais, com maiores possibilidades de provocar infecções graves” afirma o infectologista Francisco Ivanildo de Oliveira Júnior, supervisor médico do ambulatório do Hospital Emílio Ribas, de São Paulo.

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O H1N1 também é um vírus democrático, que faz vítimas em todas as classes sociais. Além de Tom Cavalcante, outro famoso infectado foi o apresentador Marcelo Rezende, da Record, que escreveu numa rede social que “a dor no corpo é como se você brigasse com o Mike Tyson no dia em que ele está zangado”. O apresentador está recebendo medicamentos e ficará em recuperação num hospital de ponta por pelo menos uma semana, mas a maioria dos doentes enfrenta muito mais dificuldades. Com aumento de 50% de procura devido ao surto gripal, o Hospital Municipal São Luiz Gonzaga, na zona norte da capital paulista, foi alvo de uma confusão generalizada entre pacientes e médicos na noite da terça-feira 29. Os funcionários até construíram uma barreira de cadeiras na entrada do pronto-socorro pediátrico para evitar a entrada de pais desesperados, que esperavam até dez horas pela consulta. Ali, a mãe de uma criança doente só teve o filho atendido após chamar a Polícia Militar. Em várias outras unidades de saúde pública de São Paulo, principalmente na periferia, faltam médicos.

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”O H1N1 parece mais agressivo do que outros vírus, com maior
possibilidade de provocar infecções graves”

Francisco Ivanildo de Oliveira Júnior, infectologista do Hospital Emílio Ribas

A crise é de tais proporções que nem algumas das mais prestigiadas clínicas paulistanas têm dado conta de atender a todos. Nas unidades do Hospital Albert Einstein do Ibirapuera e do Morumbi (SP), por exemplo, a espera pela aplicação da vacina supera duas horas – e os estoques semanais recebidos pelo hospital podem acabar “a qualquer momento”. Na clínica Cedipi, localizada nos Jardins, um dos endereços mais caros da cidade, a versão quadrivalente, que protege contra o H1N1 e mais três tipos de gripe, estava esgotada na quinta-feira 31 e as linhas telefônicas congestionadas devido ao aumento nas buscas. Muitos lugares simplesmente não possuíam mais o medicamento disponível, e alguns deles escalaram funcionários para avisar os clientes, ainda na rua, sobre a escassez. Contaminadas com H1N1 no fim de março, a empresária Rosemeire Rizzo, 50 anos, e sua filha, a publicitária Renata, 26, foram diagnosticadas no Einstein. Com recomendação de repouso absoluto, foram comprar o medicamento Tamiflu, prescrito para esse tipo de gripe, nas farmácias do bairro nobre de Alphaville, na Grande São Paulo, mas não encontraram o remédio em nenhuma delas. “Acabou por conta da alta procura”, afirma Rosemeire.

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SURTO
A família inteira de Tom Cavalcante foi infectada (acima). Doentes, a mãe
Rosemeire e a filha Renata não acharam o remédio (abaixo)

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Para debelar a crise, o governo federal enviou lotes de vacinas de H1N1 de 2015 para o noroeste paulista, região mais afetada do País. Além disso, a Secretaria de Saúde de São Paulo antecipou a distribuição do lote de 2016 para os principais grupos de risco. De acordo com o Ministério da Saúde, porém, um adiantamento em escala nacional está fora de questão. Como a “receita” do medicamento muda anualmente, a pasta admite que não possui capacidade de produção e condição logística para mudar a data marcada para o começo da campanha, 30 de abril.

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Colaborou Ludmilla Amaral
Fotos: Vanderlei Almeida/AFP; FELIPE GABRIEL/Ag. Istoé; Eduardo Knapp/Folhapress