Não é difícil imaginar o clima desses dias nos palácios, plenários e gabinetes Brasil afora. Ouve-se, de toda parte, expressões de terror e previsões de um futuro sombrio. Terra arrasada. Reputações soterradas pela avalanche de lama que transbordará das delações já colhidas e ainda por colher pelos investigadores da Operação Lava Jato. Viveremos novos tempos, não há dúvidas. O que se pergunta é sobre que alicerces esses novos tempos serão construídos. 

Terra arrasada. Depois de OAS, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa, na semana passada a Odebrecht, maior de todas as construtoras brasileiras, confirmou que a empresa e seus principais executivos (diversos deles detidos pela Lava Jato) fariam o que chamaram de “colaboração definitiva” com a Justiça. Definitiva. Não se trata de mero adjetivo. É uma palavra e tanto no atual contexto. Apareceu em uma nota oficial emitida pelo grupo, a mesma em que admitia que o trabalho policial que o acuou “revela na verdade a existência de um sistema ilegal e ilegítimo de financiamento do sistema partidário-eleitoral”. 
 
Ilegal. Também não é apenas predicado. Nesse caso, é confissão. A Odebrecht, na inusitada nota, revelou que seu objetivo agora é manter-se viva. Custará caro à companhia, a seus acionistas e executivos – e eles sabem disso. Mas sabem também que não há outra maneira de começar uma vida nova a não ser destruindo a anterior. E levando junto para o purgatório aqueles que foram cúmplices em seus delitos. Corrupção não é delito que se pratica sozinho. No Brasil, também não é prerrogativa de uma vertente ideológica. No poder, o PT ampliou como nunca o ambiente de promiscuidade público-privada e, por isso, deve contar mais vítimas ao final desse processo, a começar pela presidente Dilma Rousseff. 
 
Mas haverá cadáveres políticos de outras colorações. E, possivelmente, estruturas partidárias irreversivelmente danificadas. Para preservar suas atividades, Odebecrecht, Camargo e outras servem-se do instrumento da leniência, variação corporativa da delação premiada. Leniência não é perdão nem acordão para abrandar investigações. Ao contrário, abre portas para uma colaboração maior entre a polícia e empresas investigadas. Elas escancaram seus segredos em troca da garantia de que, mesmo condenadas, poderão manter relações contratuais com governos e, assim, ter mais chances de se manterem vivas. Terão de andar na linha e prometem fazê-lo. O que ganham em troca é a possibilidade de se manterem em pé. 
 
Mas e outro lado? Poderão buscar agir honestamente em um ecossistema político viciado em corrupção? Ou, ao agir assim, apenas asfaltariam o caminho para grupos emergentes menos visados mas também “criativos” em seu relacionamento com autoridades. Para os grandes grupos que tiveram suas origens nas empreiteiras, virar a própria mesa é uma necessidade urgente. Ao longo das últimas décadas, eles diversificaram seus negócios e, em novas áreas, mostraram uma face moderna e eficiente que gerou riqueza, conhecimento e empregos. A leniência também objetiva preservar tudo isso, dentro de um processo de depuração que pune o malfeito mas oferece uma saída pela evidente capacidade das áreas produtivas e técnicas das empresas. 
 
No mundo desenvolvido, correções significativas foram feitas em companhias tentaculares flagradas em esquemas internacionais de corrupção e hoje marcas como Siemens e Alstom mantêm suas posições de mercado e exibem modelos mais rigorosos de governança. No Brasil, em alguns anos, poderemos observar fenômeno semelhante com as empreiteiras hoje enroladas. Ocorre que, para isso acontecer, é necessária a criação de instrumentos de depuração também na esfera política, uma ampla reforma que permita uma espécie de leniência partidária, que abra a caixa preta das agremiações para a Justiça em nome da preservação da sua história e da democracia. 
 
Dificilmente será possível salvar quadros atolados até o pescoço com o lamaçal das delações. Mas eles são apenas pessoas. Eles passam. Muito do que se lamenta hoje em relação às revelações da Lava Jato é a traição aos valores que, décadas atrás, aproximaram eleitores de partidos como PT, PMDB e PSDB, para falar apenas dos mais notórios. A redemocratização, a promulgação de uma constituição moderna, uma série de conquistas sociais, tudo isso precisa estar intacto. É a partir disso que se reerguerá o País sobre a terra arrasada. 


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