O Governo entrou em ritmo de “judicialização” da política. Com uma banca de advogados de primeiro escalão, digna de inveja, tenta a todo custo barrar o avanço dos desdobramentos de seu processo de impeachment enquanto socorre o líder petista Lula das investigações da Lava Jato. Poucas vezes se viu um aparato legal dessa envergadura em campo e a quantidade de ações que vêm sendo impetradas junto ao Supremo com o mesmo fim.

Nos últimos dias teve de tudo: de mandados de segurança contestando a decisão de Gilmar Mendes, do STF, até pedidos de habeas corpus e apelação para que se imponham limites aos grampos. A pressa na procura por firulas legais que dessem salvo conduto a Lula ficou evidente. O investigado temia a prisão e teve o respaldo do Estado para driblar a polícia em um caso nunca antes visto na história da República, que deve configurar flagrante notório de obstrução da justiça, tanto por Lula como por sua protegida, Dilma.

Com dezenas de advogados de inúmeros escritórios, entre os mais renomados do País, além da própria AGU, o ex-presidente conta com uma tropa de especialistas (repita-se, inalcançável a qualquer cidadão comum) que aposta no contraditório para postergar indefinidamente a aplicação de penas. E foi assim que ele conseguiu uma decisão favorável do ministro Teori Zavascki determinando que os seus processos voltassem ao Supremo. Na prática, lhe foi dado um foro privilegiado – seja por dias, semanas ou meses -enquanto o Tribunal julga a legitimidade de sua posse no ministério da Casa Civil.

Dado o festival de afrontas, em atitudes e palavras, que Lula disparou contra as instituições – desacreditando cada uma delas e pressionando muitas a agirem a seu favor – será, no mínimo, canhestro assisti-lo assumindo a nau do País naquela que é a principal pasta do governo. Em mais um dos trechos de gravações divulgadas, Lula diz em conversa com o ministro Edinho Silva que só ele pode colocar “os meninos” (procuradores) em seu devido lugar, deixá-los com medo e barrar a Lava Jato. Decerto, Lula logrou êxito no intento de ser blindado.

Resta saber se vai continuar obtendo vitórias do tipo na base do grito. Suprema humilhação às leis! Na mesma chicana de ações, a presidente Dilma abriu uma ofensiva de cunho discutível que tem por base desqualificar autoridades policiais, congressistas e também o Judiciário. No fundo quer desmerecer o instrumento legal do impeachment, classificado por ela de “golpista” se aplicado no seu caso. Dilma faz proselitismo, engavetando fatos e agredindo a história em prol do interesse pessoal.

Distorceu retoricamente a atual situação, comparando-a ao golpe militar de 64 e ao movimento de legalidade que buscava barrar a ditadura – uma coisa e a outra sem qualquer elo, sequer distante! Como se o respeito aos trâmites constitucionais em curso estivesse atentando contra o estado de direito. Dilma deixa propositalmente de lado na sua oratória, agora quase diária, menções aos crimes de responsabilidades dos quais é acusada – das pedaladas fiscais à obstrução da justiça, improbidade administrativa e um rol interminável de tipificações no Código Penal, que vão de falsidade ideológica a abuso de poder (leia reportagem de capa aqui).

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No Parlamento a presidente ainda trabalha para barrar o aditamento de acusações que seu ex-líder de governo, Delcídio do Amaral, lançou numa delação explosiva. Através de partidários ameaça recorrer (de novo!) ao Supremo para invalidar, mais uma vez por subterfúgios jurídicos, a votação do impeachment e retardar além do suportável o desfecho da crise, se os deputados não “fecharem os olhos” ao cipoal de denúncias que lhe são imputadas – como a de tentar barrar a Lava Jato, articular indicações de juízes para salvar condenados entre outras.

Para Dilma está valendo o tudo ou nada, mesmo que à custa de enorme prejuízo para o Brasil. Como se forçando a exclusão desses eventos dos autos processuais eles deixassem de existir. Na semana passada, no seu banker palaciano de onde quase não sai, Dilma organizou mais uma claque de simpatizantes – dessa vez com juristas e magistrados chapa-branca, que a apoiam – para gritar junto com eles que “não vai ter golpe!”. Virou seu mantra de reação. Sem qualquer fundamento. Mas na falta de alternativa fala o que pode. “Há uma ruptura institucional forjada nos porões da política”, disparou, no limite da irresponsabilidade, provocando o Congresso, recebendo da plateia palmas e gritos de guerra.

Tal qual uma ativista panfletária e carbonária, a presidente deixou de lado o decoro do posto para incensar desavenças. Foi a deixa para movimentos radicais patrocinados com dinheiro público, como MTST e MST, falarem em radicalizar nas ruas. Uma mandatária no cargo não deveria se prestar a esse papel. Mas Dilma, não satisfeita, também pensa em buscar apoio de governantes extremistas como Evo Morales, Rafael Correa e Nicolás Maduro – que em seus respectivos países cercearam as liberdades e financiaram milícias contra a democracia.

Se o desejo dela é adotar por aqui os mesmos preceitos será de um retrocesso inominável. No evento de aclamação, que classificou de “legalista”, transmitido ao vivo em longas três horas de palavras de ordem, muitos enxergaram o retrato do desespero que tomou conta do Planalto. Dias antes, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por maioria absoluta de 27 seções regionais, aprovou a moção pelo impeachment. Há pouco mais de duas décadas, foi um processo da mesma OAB que deu início a deposição do então presidente Collor.

Hoje, junto com a Ordem, que apoia o impeachment no Congresso, um grupo de quase 500 juízes se colocou contra Dilma divulgando carta de apoio ao responsável pela Lava Jato, Sergio Moro. Além deles, a Associação de Magistrados Brasileiros, o Ministério Público e a Associação de Juízes Federais do Brasil seguiram pelo mesmo caminho. É uma avalanche de constitucionalistas que joga por terra a ideia de um suposto golpe articulado “pela direita”. Há decerto muitos equívocos na oratória oficial que claramente se opõe ao senso geral, expresso seja através de pesquisas (quase 70% querem o impeachment), seja nas mobilizações eloquentes de protesto que desaprovam as práticas do Governo.

A presidente sabe que lhe restam poucas saídas, que a guerra está acabando e que uma onda ainda maior de delações, documentos, recibos e provas mostrando os ilícitos de sua gestão está a caminho, colocando uma pá de cal definitiva nas pretensões dela e de sua legenda de se manter no poder. Talvez por isso tenha partido para a apelação e recorrido a artimanhas legais que, no máximo, adiarão o inevitável. No time ministerial da presidente, os escolhidos não param de dar tiros pela culatra. O próprio ministro da justiça, recém escolhido, Eugênio Aragão, numa ignóbil atitude de autoritarismo explícito, chegou a dobrar a aposta de interferir e, se possível, frear a Lava Jato, com um despautério verborrágico.

Disse ele em entrevista a Folha de S. Paulo: “cheirou vazamento de investigação por um agente nosso, a equipe será trocada, toda. Cheirou. Eu não preciso ter prova”. O descalabro jurídico foi respondido à altura. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) notificou o ministro para se explicar em 72 horas sobre as declarações contra a PF. É o fim do mundo um ministro da justiça chegar ao limite de ter de ser interpelado pelo STJ por práticas que atentam contra instituições. Retrato do fim dos tempos de um governo consumido por irregularidades.


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