Como se zombasse da cara da sociedade, na manhã da quinta-feira 16, a presidente Dilma Rousseff empossou Lula como ministro da Casa Civil. Diante da incontestável fragilidade de atual mandatária do País, o gesto representaria, na prática, uma tentativa de alçá-lo ao seu terceiro mandato sem que o petista tivesse recebido um voto sequer. Como de costume, o Palácio do Planalto abriu as portas para a claque petista participar da cerimônia. Apoiadores do governo também se reuniram em frente ao edifício, na Praça dos Três Poderes. 

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Cerimônia de Posse: Dilma nomeia Lula para a Casa Civil, na quinta 17 e logo depois
inúmeros processos pedem a suspensão do ato

 
Procurando transmitir firmeza, o que contrastou com o semblante abatido do seu antecessor, Dilma o elogiou: “As circunstâncias atuais me dão a magnífica chance de trazer para o governo o maior líder político desse país”, afirmou. “Uma pessoa que, além de ser um grande líder político é um grande amigo e um companheiro de lutas e de conquistas”. Ela diria ainda que a presença de Lula em seu governo seria a prova de que ele carrega “a grandeza dos estadistas e a humildade dos verdadeiros líderes”. 
 
Um verdadeiro escárnio. Tamanha pompa tentava maquiar a verdadeira intenção do vexatório ato presidencial. As circunstâncias que levaram Dilma a nomear Lula para seu ministério atendem pelo nome de Operação Lava Jato. A força-tarefa que investiga a corrupção na Petrobras chegou ao ex-presidente e são fartos os indícios de que ele é um dos beneficiários do esquema. Os investigadores trabalhavam numa denúncia contra o ex-presidente a ser apresentada ao juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava jato no Paraná. 
 
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Ascendência: Com a fragilidade de Dilma, Lula pretende conduzir o governo.
Antes, porém, o petista pode ter de enfrentar problemas com a Justiça

 
A peça acusatória incluiria um pedido de prisão, fundamentado nas tentativas de obstrução da Justiça que são atribuídas ao petista. Ao assegurar-lhe um refúgio, o privilégio de foro, e, ao mesmo tempo, abrir uma nova trincheira política a Lula, a presidente estendeu uma mão para ajudar o companheiro e usou a outra para esbofetear a cara dos brasileiros, que haviam ido às ruas dias antes para, entre outras reivindicações, clamar pela prisão do ex-presidente. Embora Dilma e seus aliados empoleirados no poder se neguem a enxergar o óbvio, a nomeação de Lula para a Casa Civil indignou os brasileiros e foi seguida de forte reação popular. 
 
Espontaneamente, pessoas tomaram conta das ruas tão logo a decisão foi anunciada pela presidente, na tarde da quarta-feira 15. Depois da cerimônia de posse, ligeiramente interrompida pelos gritos de “vergonha” entoados pelo deputado federal Major Oliveira (SDD-SP), o Planalto foi surpreendido com a notícia de que a Justiça Federal suspendera a canetada da presidente. O juiz federal Itagiba Catta Preta Neto, titular da 4ª Vara Federal do Distrito Federal, suspendeu a nomeação por entender que ela representa “risco de dano ao livre exercício do Poder Judiciário, da atuação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal”. Ou seja, na avaliação do magistrado Dilma obstruiu a Justiça. 
 
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Ironia do destino: durante a posse, cancelada horas depois pela justiça, Lula,
que chegou ao evento de jatinho (acima), recebe os cumprimentos
do deputado Paulo Maluf
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O ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da União, afirmou que essa era uma decisão esperada. Na avaliação de Cardozo, a liminar não tira Lula do cargo de chefe da Casa Civil, mas apenas susta os efeitos da posse, impedindo a prática de atos administrativos. Provocado por partidos políticos, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisará a validade da nomeação do petista. O assunto será relatado pelo ministro Gilmar Mendes. Se o plano maquiavélico programado por petistas nas sombras do poder conseguir resistir e derrubar a liminar do juiz, eles ainda terão que enfrentar um Procurador-Geral da República que acaba de ser xingado e esculhambado por Lula em grampos colhidos com autorização judicial. 
 
A força-tarefa no Paraná vem, desde 2014, colecionando informações sobre o suposto envolvimento de Lula nas irregularidades descobertas na Petrobras. Num primeiro momento, foram os repasses milionários nas empreiteiras que participavam do Petrolão à empresa LILS, encarregada de administrar as palestras do ex-presidente. Os pagamentos, segundo o petista, foram realizados por serviços efetivamente prestados. Em seguida, o nome de Lula começou a aparecer em depoimentos de delatores, sejam ex-dirigentes da Petrobras ou de empresários, como alguém que tinha ciência do esquema de corrupção. 
 
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Integrante do Solidariedade puxa o coro 

 
Nos últimos desdobramentos da investigação, a PF e a procuradoria identificaram os gastos das empreiteiras Odebrecht e OAS com obras no sítio de Atibaia (SP), cuja propriedade é alvo de investigação. O imóvel está registrado em nome de Fernando Bittar e Jonas Suassuna, mas era usado por Lula e familiares desde que deixou a Presidência. Bittar e Suassuna são sócio de Fábio Luís Lula da Silva, um dos filhos do petista.
 
Ou seja, conquistou um currículo e tanto para comandar a chefia da Casa Civil. Fazendo lembrar uma tese que esse mesmo Lula proferiu em 1988: “Quando um pobre rouba ele vai para a cadeia mas quando um rico rouba ele vira ministro”. Aliados do petista tentavam convencê-lo de que só teria tranquilidade se protegido pelo manto do foro especial, a prerrogativa de que presidente, ministros de Estados e parlamentares federais de serem processados criminalmente somente pelo Supremo Tribunal Federal (STF). 
 
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As razões: O juiz Itagiba Catta Preta Neto concedeu a liminar contra Lula
por risco ao livre exercício do Judiciário 

 
A ida para o Executivo seria importante para tentar reconstruir a esfacelada base de sustentação do Planalto. A presidente não se oporia a nomeá-lo, mas Lula vinha resistindo à ideia. Mas aí veio a Operação Aletheia, a 24ª fase da Lava Jato. A ação policial tinha como alvos o ex-presidente e seus familiares. O petista foi alvo de condução coercitiva, autorizada pelo juiz Sérgio Moro, e levado para prestar depoimento na delegacia da Polícia Federal. As manifestações populares do domingo 13, com milhões de brasileiros nas ruas apoiando a investigação da força-tarefa e as decisões do juiz Sérgio Moro agravaram o quadro para o petista. 
 
Nas interceptações telefônicas autorizadas por Moro, Lula brincava com interlocutores que não poderia comparecer a determinados compromissos porque talvez estivesse preso. Ele fazia piada, mas lhe preocupava a possibilidade de ir parar na carceragem da PF em Curitiba, por onde passaram nos últimos meses companheiros de partidos como o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto ou alguns amigos empresários como, Léo Pinheiro (OAS) e Marcelo Odebrecht (Odebrecht). O ex-presidente não viu outra alternativa. Cedeu. Desembarcou em Brasília na semana passada para se entrincheirar no Palácio do Planalto. Um verdadeiro deboche.

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Jurisprudência condena manobra
 
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode não escapar do juiz Sergio Moro mesmo que se torne ministro. É a opinião de juristas. Apesar de o caso de Lula ser único – não há precedente de alguém nomeado a um cargo para fugir do juiz de primeira instância -, especialistas apontam que já há jurisprudência a ser usada. O Supremo Tribunal Federal vetou duas tentativas de políticos de renunciarem a mandatos para que seus processos voltassem para a primeira instância. A Corte fez precedente neste sentido em 2010, acompanhando a decisão da ministra Cármen Lúcia (foto). Dessa forma, manteve o julgamento do então deputado Natan Donadon no Supremo. O tribunal entendeu que ele abdicou do cargo de deputado federal para arrastar o processo do qual era alvo. O mesmo, para constitucionalistas, valeria para o inverso, que é o caso de Lula. 
 
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