Quem conhece Geraldo Alckmin de perto sabe que, quando está nervoso, costuma cerrar os lábios. Na noite de 1º de outubro, ele acompanhou a apuração dos votos para presidente da República praticamente com os lábios colados um ao outro. Em São Paulo, ao lado da mulher, Lu, dos filhos Sophia, Geraldo e Thomaz, e da neta Isabella, ele se revezou entre a frente da televisão e idas a seu escritório particular, para acompanhar a evolução dos números pelo site do Tribunal Superior Eleitoral. A 2,6 mil quilômetros dali, no Recife, o candidato a vice na chapa de Alckmin, o senador José Jorge (PFL), também acompanhava a apuração em casa. Quando Lula começou a cair e bateu na casa dos 48%, José Jorge não resistiu e rumou para o comitê de campanha. Ali, improvisou uma carreata pela praia de Boa Viagem. Do celular, ligou para Alckmin. “Mas você já está comemorando?”, questionou o candidato, ainda em busca de maior segurança. “Alckmin, nós já estamos no segundo turno”, respondeu José Jorge. Alckmin, porém, ainda esperou que o resultado oficial fosse anunciado pelo presidente do TSE, Marco Aurélio Mello. Somente então seguiu para a sede do PSDB em São Paulo, onde os tucanos já comemoravam a eleição de José Serra como governador do Estado.

Alckmin queria evitar qualquer precipitação, embora os dados que possuía lhe dessem segurança de que passaria para o segundo turno. Os trackings telefônicos encomendados ao Ibope pela campanha deram na sexta-feira Lula com 45% e Alckmin, com 41%. No sábado à noite, o resultado era 46% a 42%. Acertaram na mosca com relação aos votos do tucano e deixaram Lula dois pontos abaixo do resultado final. A eleição confirmou a curva de crescimento de Alckmin. E, na quarta-feira 4, na primeira reunião da Executiva do PFL após a eleição, comemoravam-se os dados iniciais do tracking já feito agora no segundo turno e as projeções do analista de pesquisas do partido, Antônio Lavareda. Esses dados indicavam que a primeira pesquisa de intenção de voto após o início do segundo turno apontaria Lula com 45% e Alckmin com 43%. Ou seja, um empate técnico entre os dois.

Na segunda-feira 2 à noite, na primeira reunião do comando da campanha, os aliados de Alckmin festejavam o semblante desnorteado de Lula e de sua equipe com o inesperado segundo turno. As primeiras reações davam conta de que o presidente sairia da sua postura mais serena e propositiva para partir para um confronto mais pesado com Alckmin, em torno da questão ética, ressuscitando esqueletos do governo Fernando Henrique Cardoso. “Ótimo. Ele acusou o golpe”, reagiu, sorridente, Alckmin. Ele pretende deixar a iniciativa da agressão para Lula, o que explicitará a sua mudança de estratégia. Isso, imagina-se, revelará para o eleitor um Lula nervoso e acuado contra um Alckmin sereno. Essa é a idéia para os debates.

Para os programas, já estão sendo imaginados quadros agressivos. Esboça-se, por exemplo, a montagem de uma espécie de “seleção” da corrupção no governo Lula. O capitão seria o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Outros “40 companheiros” foram escalados pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, na denúncia que fez sobre o escândalo do mensalão. “Com mais a meia dúzia de agora, do churrasqueiro (Jorge Lorenzetti) ao pai da psicanálise (Freud Godoy, secretário de Lula), o Lula vai ter muita ajuda nessa matéria”, diz um dos articuladores políticos da campanha.

Para os articuladores da campanha de Alckmin, Lula ter resolvido mudar agora o tom da sua campanha tornando-se mais agressivo pode se revelar um tiro no pé. Eles lembram que ele só venceu em 2002 porque abandonou o jeito agressivo das campanhas anteriores e tornou-se mais suave. E o maior tiro no pé nesse aspecto pode ter sido a escalação de Ciro Gomes como aquele que responderá às acusações mais pesadas. Ciro é irritadiço e agressivo. Nas eleições de 2002, foi isso o que lhe custou a derrota. O grupo de Alckmin já separou uma entrevista dada pela filha de Ciro, Lívia, em que ela diz que caixa 2 era uma coisa que ela cansou de “ver em casa”. Na mesma entrevista, Lívia aparece em fotos sensuais.

No comando da campanha, já se alterou a sensação de que Alckmin errava o tom do programa eleitoral por ser menos agressivo do que se gostaria. Mesmo no PFL, já se desfaz essa impressão. “Damos o braço a torcer: havia uma estratégia traçada que se revelou acertada”, comenta o senador Heráclito Fortes (PFL-PI), um dos coordenadores da campanha. Aos amigos, o marqueteiro da campanha de Alckmin, Luiz Gonzalez resumiu por mais de uma vez o que passava por sua cabeça: “A campanha tem de estar madura no dia 1º de outubro, nem antes nem depois.” Foi o que aconteceu.

É a repetição, insiste ele nessas conversas, do mesmo estilo usado desde 1994 por Mário Covas: uma campanha de construção passo a passo, com sangue-frio, sem atropelar fases, sem ceder às ansiedades naturais do mundo político. A tática montada por Alckmin e Gonzalez compreendia várias fases. Primeiro, era preciso apresentar um candidato até então desconhecido do público e mostrar o que ele fez. Sedimentado isso, Alckmin poderia começar a buscar desconstruir Lula. Isso começou nas últimas semanas do primeiro turno. Continuará agora.

Se Lula pode ter errado ao mudar o tom da campanha, o candidato tucano, Geraldo Alckmin, também começa o segundo turno com um escorregão que poderá lhe custar caro. Por iniciativa própria, ele resolveu procurar o ex-governador do Rio Anthony Garotinho e selar um apoio para o segundo turno. Não discutiu, porém, a adesão com os seus parceiros desde o primeiro turno, o prefeito do Rio, César Maia, do PFL, e a candidata do PPS ao governo fluminense, Denise Frossard. A reação dos dois foi dura. “Eu estou neutra na campanha agora”, avisou Frossard. “O PSDB que cuide agora da campanha de Alckmin”, emendou César Maia. Na quinta-feira 5, emissários foram mandados ao Rio para pôr panos quentes na crise. O próprio Alckmin conversou com César Maia.

O presidente do PPS, Roberto Freire, acalmou Denise Frossard. Na quinta-feira, Denise já recuava. O quadro na cúpula das candidaturas parecia desanuviado. Mas os tucanos e pefelistas ainda temiam o reflexo do problema entre os eleitores do Rio.

A maior aposta dos aliados de Alckmin está na manutenção do estado de euforia que se processou após o resultado do primeiro turno. Especialmente no Nordeste, os partidários de Alckmin passaram o primeiro turno trabalhando em favor de algo que todos consideravam uma causa perdida. Um prefeito pernambucano chegou a dar os pêsames à mulher de José Jorge, Socorro, pelo fato de seu marido ser o candidato a vice numa chapa derrotada. Agora, imaginam, políticos como esse prefeito passarão a encarar Alckmin como uma possibilidade a ser levada a sério.

Principalmente, porém, os aliados de Alckmin apostam no peso das importantes vitórias que tiveram José Serra em São Paulo e Aécio Neves em Minas Gerais. Segundo um dos nomes da cúpula da campanha, era evidente que passava pela cabeça tanto de Serra quanto de Aécio o cálculo de que talvez a derrota de Alckmin lhes fosse algo mais favorável para os seus planos futuros. Agora, o raciocínio mudou. Se querem despontar de fato como alternativas do PSDB para 2010, Serra e Aécio têm que trabalhar com a perspectiva concreta da vitória de Alckmin. E, nesse aspecto, precisam disputar qual dos dois foi mais fiel e importante para garantir a sua eleição como presidente. O que ninguém acreditava há poucos meses está acontecendo agora: o muitas vezes tímido, comedido e chamado de Geraldinho no início de sua carreira está engaiolando as maiores raposas políticas do País e partindo, com todas as armas, para a sua caçada a Lula.