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RETORNO
Caixão com corpo de militar morto no Haiti desembarca em Brasília

Faltavam três minutos para as oito horas da noite da quarta-feira 20 quando o avião Hércules C-130 da Força Aérea Brasileira tocou a pista do Aeroporto de Brasília, trazendo os corpos dos 18 militares brasileiros vítimas do terremoto que devastou o Haiti pouco mais de uma semana antes, causando a maior tragédia humanitária já enfrentada pela Organização das Nações Unidas. As cenas comoventes do desembarque dos caixões cobertos com a bandeira brasileira e carregados por soldados da Polícia do Exército lembravam a dura rotina com que os americanos se acostumaram ao longo de suas guerras das últimas décadas. Mas, ao contrário dos soldados americanos, os heróis militares brasileiros pereceram em uma guerra sem tiros, sem agressões e em que os inimigos eram a fome, a injustiça e a miséria em seu estado mais bruto. Cada um deles dedicou os últimos meses de sua vida a uma luta incansável – e não menos dura – para tentar recuperar uma nação destroçada por tragédias naturais e, principalmente, políticas. “As vidas dos militares brasileiros não foram perdidas em vão, elas demonstram a solidariedade do povo brasileiro aos haitianos”, disse à ISTOÉ o novo representante da ONU para o Haiti, o guatemalteco Edmont Mulet. Havia mais de 60 anos que o Brasil não assistia a cenas como essa. Desde a campanha da Força Expedicionária Brasileira na Itália na Segunda Guerra Mundial o País não perdia tantos militares em ação de uma só vez. Nas batalhas de 1944 e 1945, 460 soldados brasileiros caíram diante das balas alemãs – delas participaram cerca de 25 mil militares. Dessa vez, foram 18 mortos de um total de 1,1 mil homens em ação no Haiti.

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DOR
Orgulho e tristeza misturam-se no último adeus aos soldados mortos

Apesar das diferenças profundas entre uma operação e outra, o percentual de baixas foi praticamente o mesmo, algo como 2%. Em seu discurso durante a homenagem prestada na Base Aérea de Brasília, na quinta-feira 21, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sintetizou a dimensão das perdas no Haiti. “A história confirmará que o sacrifício de nossos heróis e a dor de suas famílias não terão ocorrido em vão”, disse o presidente, com a voz bastante embargada diante dos 18 caixões cobertos com a bandeira nacional e sob os olhares de colegas, pais, irmãos, filhos e viúvas. Contrariando a injusta tradição  brasileira de não valorizar seus heróis, o governo agiu de forma rápida e contundente para que os militares perdidos no Haiti recebessem as honras a quem têm direito. Além do presidente, da primeira-dama, Marisa Letícia, e dos comandantes das Forças Armadas, quase todos os ministros de Estado compareceram à Base Aérea de Brasília para dar o último adeus aos militares mortos. Os chefes do Legislativo, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), também compareceram à cerimônia, assim como o representante máximo do Judiciário, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes. As honras também não ficaram apenas no simbolismo. Além de elevar a patente de cada um dos militares mortos, o governo decidiu que indenizará as famílias em R$ 500 mil. Além disso, os dependentes estudantes receberão uma bolsa de um salário mínimo até completarem 24 anos.

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HOMENAGEM
Lula condecora cada um dos heróis brasileiros com a Medalha do Pacificador

E, como não poderia deixar de ser, todos foram condecorados com a Medalha do Pacificador, a maior honraria do Exército Brasileiro em tempos de paz. “As palavras se tornam frágeis diante da brutalidade dos fatos”, afirmou Lula. Perdas de homens como esses, destemidos e dedicados a enfrentar as dificuldades atrozes no único intuito de tentar fazer com que a vida de outras pessoas se torne melhor, são, sem dúvida, irreparáveis. Mas tanto as famílias de cada um deles quanto o próprio País podem amenizar a dor que agora sentem por saber que todos morreram fazendo o que realmente queriam fazer. Apesar das patentes distintas, das origens diferentes e das especialidades únicas de cada um, todos que padeceram sob os escombros haitianos tinham um sentimento comum: estavam ali realizando uma missão da qual tinham orgulho. “Embasado em seu desejo de um mundo mais justo, aceitou com orgulho sua última e mais brilhante missão junto ao sofrido povo haitiano”, declarou, em uma nota, a família do tenente- coronel Marcus Vinicius Macedo Cysneiros. Na quinta-feira 21, dia em que o corpo de Marcus Vinicius desembarcava em Brasília, um grupo de 130 brasileiros embarcava para o Haiti para continuar a missão do tenente-coronel. Mesmo diante da dor da perda de tantos colegas no mesmo local para onde estavam seguindo, o espírito dos militares em nada se diferenciava daquele que manteve Marcus e os outros 17 militares por tantos meses no Haiti. “O sentimento agora se mistura.

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BRAVURA
A missão brasileira continua no Haiti

Logicamente a gente deixou os familiares em casa preocupados, mas, ao mesmo tempo, vem o sentimento de ajuda e de saber que nós podemos dar uma parcela de contribuição para o povo haitiano”, disse o cabo Rogério Carneiro poucos momentos antes de embarcar no Boeing KC-137 que o levaria da Base Aérea do Galeão, no Rio, para Porto Príncipe. Diante de tanta dor e, ao mesmo tempo, de tanto entusiasmo daqueles que partiam, há apenas uma certeza: de fato, eles não morreram em vão.


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