Em novembro do ano passado, o senador petista Delcídio do Amaral foi preso porque o Supremo Tribunal Federal considerou que ele trabalhava nos bastidores para conturbar as investigações da Operação Lava Jato. Dois anos antes, o ex-deputado federal José Genoíno acabou na cadeia por assinar, como presidente do PT, empréstimos fraudulentos que alimentaram os cofres petistas. Nos dois casos, é evidente que eles cometeram ilícitos que deveriam ser punidos com o rigor da lei. Nos ombros de Delcídio e Genoíno, porém, não pesam acusações tão graves quanto as que pairam sobre Lula. 

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No limite: Descontrolado, Lula definiu a Lava Jato como  “banditismo e militância política”

 
De acordo com os desdobramentos da Lava Jato, Lula seria um dos principais beneficiários dos recursos desviados pelo esquema do Petrolão. O que explica, portanto, o fato de Lula ainda não ter sido encaminhado para o cárcere? Por que, no caso do fundador do PT, a Justiça tem sido menos rigorosa do que foi com os outros companheiros? Na quinta-feira 10, os promotores José Carlos Blat, Cássio Conserino e Fernando Henrique Araújo, do Ministério Público de São Paulo, pediram a prisão preventiva do ex-presidente. Mal fundamentado, o requerimento apenas forneceu munição para os que defendem a tese da vitimização de Lula. 
 
O próprio juiz Sérgio Moro, cujos despachos têm sido marcados pelo rigor técnico, considerou a ação do MP paulista um equívoco. Os promotores argumentaram que o pedido de prisão foi necessário para garantir a aplicação da lei diante da possibilidade de o ex-presidente fugir do País, o que nem o mais ferrenho petista considera uma hipótese plausível. Os promotores denunciaram também “manobras” que tentavam blindar Lula, incluindo as manifestações de apoio da presidente Dilma Rousseff com críticas a autoridades do Judiciário no exercício legal de seu trabalho. 
 
Agora, o pedido de prisão preventiva da promotoria será analisado pela juíza Maria Priscilla Ernandes Veiga Oliveira, da 4ª Vara Criminal de São Paulo. Embora polêmica, a iniciativa do MP paulista mostrou que o cerco a Lula está se fechando. Na quinta-feira 10, o próprio petista reconheceu que a situação está perto do limite. “Sei que posso ser preso a qualquer momento”, disse Lula a aliados. O petista foi denunciado pelos crimes de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica no caso do tríplex no Condomínio Solaris, no Guarujá. 
 
Ele é acusado de ser o verdadeiro dono do imóvel que está registrado em nome da empreiteira OAS, o que configura ocultação de patrimônio. De acordo com a denúncia, o apartamento foi reformado pela empreiteira para a família Lula ocupar. A construção do Solaris foi iniciada pela Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop), ligada ao PT, que sofreu um rombo milionário nas contas e deixou milhares de pessoas sem os imóveis pelos quais pagaram. A OAS, em seguida, assumiu parte das obras inacabadas. 
 
Essa situação é também objeto de investigação da força-tarefa da Operação Lava Jato, no Paraná, por causa do envolvimento da empreiteira que fazia parte do cartel que agia na Petrobras. O cerco a Lula se intensificou depois de ISTOÉ revelar, com exclusividade, detalhes do acordo de delação premiada do senador Delcídio do Amaral. Delcídio desfrutava de ótimo relacionamento com Lula. O parlamentar revelou que o ex-presidente mandou comprar o silêncio de Nestor Cerveró e de outras testemunhas na Lava Jato. 
 
Cerveró comandou a Diretoria Internacional da Petrobras entre os primeiro e segundo mandato de Lula. Segundo a narrativa de Delcídio, Lula tentou sabotar a Lava Jato – o mesmo crime que fez o senador cumprir prisão entre novembro e fevereiro. De novo, uma pergunta fica no ar: por que Delcídio foi para a cadeia e Lula não? Na semana passada, o jornal O Estado de S. Paulo revelou mais uma situação embaraçosa para Lula. Como já havia acontecido com o triplex no Guarujá e o sítio de Atibaia (também reformado por empreiteiras, também frequentado por Lula, também suspeito de pertencer ao ex-presidente), trata-se de uma história nebulosa sobre o uso de um imóvel não registrado em seu nome. 
 
O aposentado Glauco da Costa Marques, primo do pecuarista José Carlos Bumlai (preso na Operação Lava Jato por corrupção passiva, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro), é o dono de uma cobertura usada por Lula e familiares no prédio onde o petista mora em São Bernardo do Campo. O imóvel foi alvo de busca e apreensão durante a Operação Aletheia (como é chamada a 24ª fase da Lava Jato), após o síndico do prédio indicar à Polícia Federal que o imóvel pertenceria ao ex-presidente. 
 
A cobertura número 121 do edifício Hill House fica em frente à que pertence ao petista, de número 122. Segundo Glauco Marques, Lula paga aluguel. O aposentado alega ter comprado o apartamento em 2011. A cobertura, porém, já era usada por Lula desde o primeiro ano na Presidência, em 2003. Até 2007, o PT pagou pelas despesas do imóvel para que ele guardasse o acervo presidencial que doou ao partido. Morador de Campo Grande (MS), o primo de Bumlai disse que adquiriu a cobertura por sugestão do advogado Roberto Teixeira. A Lava Jato investiga se Teixeira atuou para ajudar Lula a ocultar a propriedade do sítio em Atibaia. 
 
Numa tentativa de blindar Lula, aliados do ex-presidente passaram a defender sua nomeação para o ministério de Dilma Rousseff. Não é a primeira vez que a hipótese é aventada. Agora, os companheiros mais próximos tentam convencê-lo de que sua situação jurídica degringolou de vez e somente o manto do foro privilegiado poderia garantir alguma tranquilidade no cenário atual. O arranjo seria nomear Lula para comandar a Casa Civil, transferindo o baiano Jaques Wagner para a pasta da Justiça. 
 
Caso a ideia seja levada adiante, qualquer investigação relacionada ao petista, tanto no Ministério Público de São Paulo ou na força-tarefa da Lava Jato, teria que ser enviada ao Supremo, instituição encarregada de processar criminalmente autoridades como um ministro da República. Para a oposição, a estratégia representa uma confissão de culpa. O pedido de prisão preventiva dos promotores de Justiça de São Paulo, embora questionável até mesmo para adversários de Lula, pode constranger Dilma a ponto de descartar a ideia de nomear seu antecessor. 
 
Seria um desgaste político muito grande para a petista num momento em que o impeachment volta com força à agenda do dia. Mas é bom lembrar que Dilma não mediu as consequências ao embarcar no avião presidencial para visitar Lula em São Bernardo do Campo, no fim de semana seguinte à condução coercitiva do petista, nem ao dar declarações à imprensa com críticas ao juiz Sérgio Moro. Se faltar constrangimento à presidente, existe um bom argumento para fazê-la desistir de proteger o amigo petista: o conceito de tentativa de obstrução da Justiça.
 
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