Duas palavras que assombram os brasileiros há algum tempo ganharam mais força nas últimas semanas. Crise e corrupção nunca foram expressões tão cotidianas. O avanço das investigações da Operação Lava Jato, encabeçada pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e o Poder Judiciário desvenda um emaranhado assustador que eleva a perplexidade e a indignação à mais alta potência. A sensação se soma ao temor pelo colapso econômico. O número de desempregados chegou ao nível recorde de nove milhões, paralisando setores fundamentais. 

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O cenário turbulento reflete diretamente no índice de aprovação do governo Dilma Rousseff. De acordo com a última pesquisa Ipsos, realizada em fevereiro, apenas 5% dos entrevistados considera a gestão da presidente boa ou ótima. Dados como esses demonstram o quanto o País está ingovernável. Nas ruas, protestos e panelaços dão o tom do sentimento de revolta e repulsa. “Não é possível governar sem a confiança do povo”, diz o jurista Ives Gandra. Uma maioria indignada da sociedade assume um papel crucial no processo de mudança. 
 
“Os novos tempos estão aclarando a consciência política e social”, afirmou Carlos Ayres Britto, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal. “A indignação geral da sociedade é patente e coerente com o momento pelo qual passa o País, as pessoas estão cansadas da corrupção, aflitas com a crise econômica e com o desemprego”, explica David Fleischer, professor do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Brasília. Se o clamor popular não for ouvido, essa conjunção de fatores pode se transformar num coquetel explosivo. 
 
“A sociedade tomou consciência de que a presidente não tem condições de governar e se ela se mantiver no poder o Brasil pode afundar rapidamente”, diz Gandra. A perda de governabilidade aliada aos indícios de crime de responsabilidade resulta na pressão pelo impeachment. Segundo o levantamento Ipsos, 60% dos entrevistados se diz favorável a interrupção do governo. As manifestações de domingo 13 têm a ambição de elevar a pressão por mudanças e de que a mobilização sistemática surja com vigor. “O clima de indignação aumentou”, constata o líder do movimento Vem pra Rua, Rogério Chequer. “O Brasil está cada vez mais unificado contra a corrupção.”
 
Na progressão dos protestos de rua, a consciência da população cresce. “Não acredito em uma democracia na qual o cidadão vota de quatro em quatro anos e depois volta para casa e permanece quieto”, afirma Wagner de Melo Romão, professor de ciências políticas da Universidade Estadual de Campinas. O jornalista e escritor Fernando Gabeira vai mais longe. Ele acredita que “a troca de farpas eleitoral deu lugar à sensação homogênea de indignação nacional”. Para ele, à medida que os responsáveis por desvios forem punidos, outros políticos terão uma nova postura. 
 
Neste Brasil estupefato, o estado de conflagração, alimentado por novas denúncias, há quem insista na tese de que o País esteja dividido ideologicamente 50/50 e que o clima seja de golpismo. Não é verdade. A tese não se sustenta. Talvez até desfoque o ponto nevrálgico da questão, sobre o qual o trabalho das instituições democráticas se debruçam. “É um setor minoritário”, avalia Eugênio Bucci, jornalista professor de ética da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Para esse grupo, acredita o professor, a defesa do ex-presidente é sinônimo da defesa do PT e das conquistas das classes trabalhadoras. 
 
Para o jornalista, a discussão do impeachment não é golpe porque está prevista na Constituição. “Para esse setor minoritário, qualquer movimento que não reforce a ideia de que Lula é um mito é golpe. Lula não é um operário indefeso. Isso é fundamental para enquadrarmos.” Bucci lembra que a corrupção tem 500 anos no Brasil e não pode ser atribuída só à esquerda. “Ainda assim, há uma agenda de esquerda que acredita que Lula está acima do bem e do mal. São dois fanatismos irreais.” 
 
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No rastro das multidões indignadas, o jurista Ives Gandra acredita que os protestos sistemáticos pressionarão o Congresso por uma saída. “A casa dos deputados precisa enfrentar o problema e se as manifestações forem grandes, eles não se deixarão afundar com a presidente”, diz. Vivemos o momento ideia para refletir sobre o futuro e jogar luz no que pode nascer no Brasil depois da turbulência. “Podemos avançar na conscientização do eleitor. A sociedade não é vítima, é autora”, aponta Marco Aurélio Mello, ministro do STF. “Busquemos quem tenha o perfil para servir e não simplesmente para se servir do cargo.”
 
O assombro com o momento vem ainda de pessoas que escolheram por meio do voto, o Partido dos Trabalhadores. “Lula fez uma opção quando chegou à Presidência: exercer o poder sem confrontar os interesses que dominaram o Estado brasileiro”, diz Luis Felipe Miguel, professor de ciência política da Universidade de Brasília. “O PT aderiu ao jogo jogado.” Frei Betto, que foi assessor do ex-presidente no primeiro mandato, diz que o PT abandonou características importantes. “Era o partido da ética, que organizaria os pobres e faria reformas estruturais”, diz. 
 
Com isso, reforça-se a idéia de que a sociedade não pode se acomodar. “Nos dois anos em que trabalhei no Planalto aprendi que governo é que nem feijão, só funciona na panela de pressão”, diz Frei Betto. Analistas defendem que houve um desvio orgânico que foi longe demais e uma espécie de embaralhamento entre partido e Estado. “Numa democracia, o que mais se espera de uma corrente político-partidária que chega ao poder central da República é não cair na tentação de confundir projeto de governo com projeto de poder”, afirma Ayres Britto. De outro lado, o fortalecimento do poder Judiciário consolida o sistema democrático. 
 
“O uso inteligente do novo instituto da delação premiada expôs os meandros da corrupção política no Brasil de forma inquestionável”, comemora o cineasta José Padilha, diretor do filme Tropa de Elite 1 e 2. “Criou-se uma nova condição histórica que tornou os políticos e os grandes fornecedores do Estado vulneráveis à aplicação da lei.” A opinião coincide com a de Fernando Gabeira. “A verdade é que a Lava Jato nos fez evoluir porque atingiu os poderosos e demonstrou uma alta capacidade técnica de obter dados.” O filósofo e ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, reconhece que o PT enfrenta momentos difíceis.
 
“Nada disso teria acontecido se não houvesse falha de governança”, diz. “Todos os países que conheceram a desigualdade vivem momentos de confronto.” Espera-se assim que a indignação resulte em ações que preservem os valores democráticos. “O reclamo do indignado é importante, mas não conduz necessariamente a uma ação”, explica o psicanalista Jorge Forbes. “Não adianta haver uma manifestação a cada dois meses, é preciso algo assertivo que mantenha viva a chama da cidadania, sirva para aliviar nossas culpas de indiferença à política e que a passeata não termine nas pizzarias dos domingos brasileiros.”
 
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Estou desempregado e vou protestar
 
O economista Thomas Chapchap foi demitido em dezembro, assim como outros colegas. “A empresa não atingiu as metas de vendas e os custos subiram com a alta do dólar”, conta. Para piorar a situação, após trabalhar 15 meses na mesma companhia, teve direito apenas a quatro parcelas do seguro desemprego por conta da nova regra – antes, ele receberia cinco.
 
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Thomas Chapchap, economista: “Eu vou para as ruas. Fui a todos
os protestos. É um direito meu que foi roubado porque o governo
não consegue fechar as suas próprias contas”

 
 
 
Perdi meu negócio e quero mudança
 
Em 2010, Diogo Mitsuo, 33 anos, abriu um restaurante de comida brasileira. Ele investiu R$ 800 mil no negócio que ia bem até a recessão bater a sua porta. O faturamento caiu 25% na comparação entre 2015 e 2014. Após cortar 20% do quadro de funcionários, ele analisa a possibilidade de passar o ponto. “Com a crise, as pessoas acabam optando por restaurantes mais em conta”, diz.
 
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Sou ex-petista e não sou elite
 
José Junior, líder do Afroreggae, lembra que de 1989 a 2010 votou no PT. “Quando Lula foi eleito em 2002, fiquei emocionado”, diz. Mas ao saber das denúncias de corrupção do Mensalão e da Lava Jato, se sentiu traído. “Uma coisa é ser enganado, roubado, por uma pessoa que não conhece ou não confia. Outra, é ser roubado por alguém em quem você acreditava e defendia. É duro, é o pior sentimento.” O carioca ressalta que o sentimento não é apenas dele: “Conheço várias pessoas que até participaram da campanha em 2014, inclusive aparecendo na televisão, e hoje em dia são críticos ferrenhos. Mas eles não metem a cara publicamente.Só que está na hora de se manifestar.” Ele rebate o discurso de que as manifestações das ruas sejam como luta de classes: “Falam que nos movimentos só tem gente de elite. Eu não sou da Zona Sul, não sou branco nem rico. Então, o Brasil tem uma elite enorme? Afinal, a quantidade de gente que tem nas ruas é realmente grande. E todos indignados.”
 
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José Junior, líder do Afroreggae: “Vamos à manifestacão. É duro
ser roubado por alguém em quem você acreditava e defendia”

 
 
 
 
Vergonha com destino da Petrobras
 
Quando Lula tomou posse em 2003, Agnelson Camilo, 61 anos, funcionário da Petrobrás há 29 anos, uniu-se aos colegas para criar uma organização independente: a Federação Nacional dos Petroleiros, da qual é hoje diretor. Trabalha como técnico de administração no laboratório de geologia da Petrobras e diz que há um clima de tensão dentro da petroleira. “Ando nos corredores e perguntam: tudo bem? Eu digo: ‘tudo bem nada! Intranquilidade total. Não sabemos o que vai acontecer”. Ao contrário da grande parte da população, ele não se diz surpreso com as denúncias. “Essa máfia sempre existiu.”
 
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Colaboraram: Cilene Pereira e Gisele Vitória
 
 
Crédito das imagens nesta matéria: Robson Fernandjes/LIGASP/ Fotos Públicas; João Castellano/Agência Istoé; Rafael Hupsel/Agência Istoé