11/03/2016 - 20:00
Um dos autores do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o jurista Miguel Reale Júnior acompanhou, com perplexidade, a delação do senador e ex-líder do governo Delcídio do Amaral, revelada por ISTOÉ. O fato de o Planalto ter condicionado a nomeação de um ministro ao Superior Tribunal de Justiça a uma decisão favorável pela soltura de empreiteiros envolvidos no Petrolão representa uma ingerência criminosa do Executivo sobre o Judiciário, diz ele.
Qual avaliação o senhor faz da delação premiada do senador Delcídio do Amaral?
Os trechos revelados por ISTOÉ são gravíssimos. Mas é necessário esperar para ver se o senador conseguirá comprovar os fatos narrados, principalmente a interferência na nomeação de um ministro (Marcelo Navarro Ribeiro Dantas) ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Não há problema que uma pessoa que almeje o STJ encontre um senador. É suspeito, no entanto, que este encontro ocorra em uma sala reservada no Palácio do Planalto. Outro indício levantado por ele são os votos concedidos pelo ministro em favor da liberdade dos dirigentes das empreiteiras.
A delação de Delcídio contribui para o impeachment da presidente Dilma Rousseff?
É importante, como disse, ver o conteúdo integral desta delação depois de homologada e as provas oferecidas por Delcídio. Existe uma série de delações que reforçam o impeachment. Há as dos executivos da Andrade Gutierrez, além de outras que estão sendo negociadas, como a de Leo Pinheiro (da OAS), de Marcelo Odebrecht e a do ex-deputado federal Pedro Corrêa.
O senhor faz parte do grupo de juristas que ingressou com o pedido de impeachment. Os senhores pretendem pedir que delações sejam juntadas ao processo?
Nós já solicitamos que as delações do Nestor Cerveró e do Paulo Roberto Costa (ex-diretores da Petrobras) fossem anexadas. Um dos itens do pedido de impeachment é a omissão da presidente da República de não ter determinado a apuração de responsabilidade de seus subordinados. Deixou as raposas cuidando do galinheiro.
E a delação de Delcídio também deve ser juntada ao processo?
O que se está pretendendo é fazer um aditamento direto na Comissão Processante (na Câmara). Mas, primeiro, precisamos esperar o Supremo Tribunal Federal resolver este nó do rito do processo de impeachment e, depois, a ação voltar para a Câmara.
O impeachment ficou mais próximo?
Seria a grande obra dela, o legado.
A forma de nomeação dos ministros do STJ e do STF deve ser repensada após a acusação feita por Delcídio em sua delação?
A República pensa republicanamente. O modelo de escolha foi pensado para ser feito honestamente. Se tivermos de partir do princípio que a escolha vai ser feita para preencher interesses ilícitos, não existe forma viável. Não dá para se criar regras partindo do pressuposto que o agente político é desonesto. Isto é a exceção virar regra.
O número de políticos denunciados não demonstra que os interesses ilícitos dos agentes públicos não são mais a exceção?
A entrada do ex-presidente na lista de investigados da Lava Jato deve ampliar o número de manifestantes pró-impeachment no domingo 13?
Qual seria este depois?
O país com a economia em frangalhos não pode mais esperar. Precisa haver um ressurgimento de esperança e a assunção de responsabilidade pela classe política junto com a sociedade.
E há esta união política?
Existe a ação no TSE que compromete a chapa inteira e que seria o ideal, mas é uma ação demorada. Se houver o impeachment pelo Congresso e assumir o Michel (Temer), pode existir um grande acordo nacional. Como é ele favorável ao semipresidencialismo, seria recomendado que já ocorresse na gestão dele um entendimento para adoção deste sistema. Pois são mecanismos que impedem este processo de irresponsabilidades atuais. O sistema de presidencialismo de coalizão promove a cooptação ilícita de apoio. Levou ao Petrolão e o Mensalão.
O senado criou uma comissão para estudar o modelo do semipresidencialismo esta semana.
É um sistema em que o presidente da República até por ser eleito tem algum poder, com capacidade de propor ou vetar projetos de lei, indicar integrantes do Judiciário, responsabilidade sobre a política externa do país e indica o primeiro-ministro. Agora, a gestão fica na mão do primeiro-ministro. Então, a Câmara passa a ser coautora do processo de governo. Para aquela pescaria por apoio político.
É viável diante do nosso sistema político?
Olha, ocorrer o impeachment de Dilma é importante. Mas não existe solução futura para o País que não passe por uma reforma política. O sistema eleitoral que está aí vem dos anos 1940 e é um desastre. Cada vez mais, a disputa eleitoral se tornou uma coisa enganadora. Se existe um código de defesa do consumidor, deveria existir o código de defesa do eleitor.