Existem dois homens que buscam um mesmo destino. Entre eles está a escolha de 126 mi lhões de eleitores no próximo domingo 29. Ambos cavalgam a promessa de conduzir o País, até 2010, pela seara do crescimento. Guardam poucas semelhanças e acumulam inúmeras diferenças. Nenhum deles gosta de definir para si um campo ideológico. Todos vêem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com seu discurso voltado para os pobres, como um homem de esquerda. Mas ele próprio é o primeiro a recusar o rótulo. Os adversários apregoam a Geraldo Alckmin e suas bandeiras conservadoras a marca de ser de direita ou, com boa vontade, de centro. Na semana passada, porém, ele afirmou que está à esquerda de seu adversário. “A verdade é que ambos têm inspiração social-democrata”, dirime o historiador Daniel Aarão Reis Filho, da Universidade Federal Fluminense. “Lula é um reformador moderado, enquanto Alckmin só agora começa a mostrar sensibilidade às políticas sociais.”

Retirante e operário, “Lula é o único presidente que consegue enxergar o Brasil de baixo para cima”, de acordo com a definição do brazilianista inglês Kenneth Maxwell. Interiorano e médico, “Alckmin é um extrato pronto e acabado da classe média ilustrada”, segundo o professor Carlos Lessa, ex-reitor da UERJ. Capaz de fazer aparições oficiais, como governador de São Paulo, em que pronunciava discursos com apenas três ou quatro palavras, no quesito empolgação Alckmin perde por larga distância para Lula. Falastrão, no mais das vezes o presidente não consegue subir a um púlpito e sair de lá antes de uma boa meia hora. Alckmin costuma escolher as palavras antes de falar, Lula fez dos tropeços no português um estilo de discursar. No entanto, foi ele quem se mostrou o mais calado e retraído no momento seguinte ao resultado do primeiro turno. De seu reduto, o tucano apresentou uma euforia e loquacidade poucas vezes manifestada.

“Enquanto Lula é expansivo e arrojado na intuição, Alckmin é contido e parece sofrer antes de tomar decisões”, compara o cientista político paulista João Guilherme Vargas Neto. O presidente é capaz de brincar com o fato de ter tido seu dedo mínimo esquerdo decepado num torno. Não se conhecem do pretendente quaisquer comentários jocosos sobre si mesmo. No poder, Alckmin gosta de mergulhar na leitura de relatórios detalhados. Lula pediu logo no começo do seu governo para que tudo lhe chegasse de forma esquemática. O presidente acostumou-se a ouvir posições contraditórias de ministros até chegar o seu momento de intervir. O ex-governador especializou-se em comandar ele mesmo os debates com seus secretários. No Palácio dos Bandeirantes, desde seu tempos de vice-governador, Alckmin usava uma cadeira de couro cru, reta, sem apoios para os braços. Lula, em Brasília, mandou comprar uma poltrona anatômica, curvilínea. Um notebook constantemente consultado apóia a memória do postulante. Dicas de assessores ao pé do ouvido salvam o presidente de embaraços. A uma gripe, Lula recorre a remédios tradicionais. Alckmin é adepto da homeopatia.

No Brasil de Lula, movimentos sociais como o MST e entidades sindicais como a CUT tem franco acesso ao Palácio do Planalto. No País de Alckmin, a preferência será por associações beneficentes e pela Força Sindical. O senador Antônio Carlos Magalhães será um dos maiores opositores do primeiro e um grande adulador do segundo. O deputado federal eleito Ciro Gomes espera desde já ter o apoio de Lula à sua própria sucessão. Para 2010, Alckmin é o candidato de Alckmin. O câmbio, com Lula, flutua de tal modo que o real fique valorizado diante do dólar. O dólar, com Alckmin, tende a se fortalecer diante da moeda nacional. A atual diretoria do Banco Central assumiu com uma taxa de juros de 25,5% ao ano. Na semana passada, A Selic estava em 14,25%, o que Alckmin considera muito alto. Ele promete baixar os juros, o presidente avisa que já baixou, e um não crê no outro. Lula, nas armadilhas da ecomomia, sai-se com o mantra de que criou 100 mil novos empregos a cada mês de sua gestão. O adversário rebate dizendo que o presidente não soube aproveitar melhor os bons ventos da economia mundial nos últimos quatro anos.

“Um traço de união entre eles é que falam em altas taxas de crescimento da economia, mais investimentos no social e em infra-estrutura com redução dos gastos públicos, diminuição de impostos, recuperação da renda e aumento das exportações”, diz o presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social, Geraldo Tadeu Monteiro. “Só que não explicam exatamente como irão fazer tudo isso.” Ele vê amplas diferenças entre Lula e Alckmin no plano pessoal. “O presidente é uma figura popular, gosta de churrascadas, nunca teve família bonitinha e não tem medo de nada. Alckmin tem a aparência da elite, do genro que toda mãe quer, é clean, certinho. Não dá para tirar a barba de Lula nem para Alckmin ficar barbudo”.

O filósofo Leandro Konder ressalta que os dois contendores do segundo turno
não têm inclinações autoritárias. Mas vê distinções entre eles à luz da história. Mais baixo e mais roliço que Alckmin, Lula está mais, também na política, para Getúlio Vargas. “Lula pode se credenciar, como GV, como um segundo ‘pai dos pobres’, mas a diferença é que Getúlio tinha consciência mais nítida do que iria fazer, enquanto Lula vai levando de forma empírica, com palavras mais abstratas, mas sempre prometendo melhorar a vida do chamado povão.” O tucano, segundo Konder, já se encaixaria, física e politicamente, ao figurino de Juscelino Kubitschek. “O ideal dele é ser o segundo JK, mais moderno, adaptando o desenvolvimentismo à exigência de equilíbrio financeiro dos novos tempos, gerando cidadania através do crescimento econômico.” No próximo dia 29, entre homens tão diferentes, o Brasil escolherá o seu destino.