A cena do desembarque ostensivo das forças americanas na sede destruída do governo do Haiti diz muito sobre o tipo de prioridade que rege a mobilização dos EUA naquele País. O esforço para controlar e garantir a segurança política haitiana se sobrepõe ao suprimento das necessidades básicas de vida, de resgate, de atendimento médico, de assistência a um povo castigado pelo sofrimento incessante. A marcha de soldados armados para sinalizar ordem reforça a mensagem imperialista e deixa em segundo plano a missão humanitária.

Politizou-se a ajuda. Em mobilizações midiáticas, os EUA tomaram conta! Assumiram o aeroporto, passaram a administrar o tráfego aéreo, estabeleceram quem chega e quem sai. Lá, a bandeira americana já está hasteada no lugar da haitiana, numa clara afronta à soberania local. Por anos, os EUA temeram a democracia no Haiti e talvez daí o imenso aparato militar que agora mandam para lá. Com seus helicópteros Black Hawk descendo sobre o palácio presidencial, quiseram, simbolicamente, mostrar quem manda. Apresentam-se desta vez como redentores, mas são os mesmos que tentaram derrubar o governo eleito daquele país.

Os mesmos que estabeleceram um embargo comercial capaz de estrangular a economia local. Os mesmos que por décadas patrocinaram ditaduras haitianas acusadas de cometer toda sorte de desmandos, massacres, crimes que, tanto como o terremoto, ajudaram a destruir o Haiti. Para um povo privado do sentimento de cidadania, da sensação de nação, da percepção de existência de um Estado operando serviços públicos essenciais, qualquer ajuda é bemvinda. Mas o esforço multilateral deveria se concentrar no pronto restabelecimento de sua dignidade. Pelo desespero da fome, da falta de casa e de condições mínimas de sobrevivência em meio aos escombros, os haitianos fi caram à mercê do caos, vivem em estado primitivo, vagando em hordas pelas ruas na busca de abrigo e alimento, enquanto anseiam pela reconstrução rápida, antes que todo o país se perca nas ruínas.

É nesta direção que as forças de paz devem atuar e a primeira noção que os candidatos a salvadores dessa pátria precisam ter é a de que o Haiti não é um país a ser ocupado, mas ajudado.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias