Apresento Solange Ferreira, brasileira.

Em poucas palavras, os leitores terão os perfis da brasileira Solange e do Brasil da Solange, brasileira
Solange, brasileira, tem quatro filhos, o quarto ainda bebê.
 
Solange, brasileira, batizou os três primeiros sonhando que um dia vão ser craques em futebol: Elielson, Elisson e Elenilson. 
 
Solange, brasileira, está com 39 anos de idade, e Elielson, o mais velho, já completou 16.
Feita a conta, Solange, brasileira, virou mãe aos 23 anos.
 
Solange, brasileira, “quer falar com um filho, chamo outro, me confundo toda com os nomes”.
 
Solange, brasileira, pôs no bebê o nome de José Wesley 
Solange, brasileira, batalhadora, mulher de luta essa Solange, brasileira. Tanto ela como os meninos cuidam do recém-nascido com muitos banhos de balde. “O que eu mais quero é o início do tratamento para ele não ficar mais atrasado do que já está”. 
 
Solange, brasileira, descobriu que os “banhos diminuem a agitação”. 
 
Solange, brasileira, saiu do sertão pernambucano de Santa Cruz do Capibaribe quando o bebê nasceu há quatro meses e mudou-se para Bonito pensando em ficar mais perto de Recife. 
 
Solange, brasileira, se pudesse até iria morar no Recife.
 
Solange, brasileira, quando se mudou deixou para trás o emprego de doméstica.
 
Solange, brasileira, quando se mudou deixou para trás o pai dos quatro garotos.
 
Solange, brasileira, sobre o marido: “ele vive a vida dele para lá, eu vivo a minha para cá. De vez em quando ele vem ver os meninos, manda uns R$ 200”.
 
Solange, brasileira, já viu falhar muitas vezes os R$ 259 do bolsa família.
 
Solange, brasileira, ouviu falar e acreditou que o governo federal iria ajudar José Wesley, mas até agora “a enfermeira sou eu mesma”.
 
Solange, brasileira, heroína anônima, toca o trem para frente crendo que “quando não tem, a gente vai passando, porque em tudo Deus dá um jeito”.
 
Solange, brasileira, intui que ela é nota de pé de página na nossa República, que o povo é nota de rodapé no Brasil.
 
Solange, brasileira, que saiu do Capibaribe para Bonito, no nome e na história já voou de Bonito para o mundo. 
Solange, brasileira, está tragicamente conhecida como a primeira mãe a ter bebê com microcefalia associada ao zika vírus. 
 
(Escrito a partir da música de 1908, “Rasga Coração”, de Anacleto de Medeiros e Catulo da Paixão Cearense; e da peça de mesmo nome, 1979, de Oduvaldo Vianna Filho)
 
Prefeituras do País já multam ou cogitam multar os munícipes que reincidirem na manutenção de focos de Aedes aegypti em suas casas ou empresas – há administrações municipais que empinaram a multa para R$ 26 mil. Diante da longa omissão dos governos brasileiros na prevenção, é perverso demais cobrar multas ao invés de insistir nas orientações. Como está-se falando de Brasil, vale lembrar quando o Rio de Janeiro, no início do século passado, foi infestado pelo Aedes (transmitindo febre amarela) e pela peste bubônica (vem da pulga do rato). 
 
O prefeito Francisco Pereira Passos, ao invés de pensar em arrecadar dinheiro com a calamidade, passou a recompensar aqueles que levassem ratos mortos à Prefeitura. A coisa degringolou porque um funcionário público apresentou a conta de 8.337$600 (dinheiro da época, chamado réis), correspondente a cerca de 90 mil ratos mortos. Pereira Passos mandou investigar e descobriu que o espertalhão (pois é, genéticos ancestrais) estava criando ratos em casa para apresentá-los mortos e ganhar recompensa gorda. Ainda 
que agora não se recompense ninguém pelo extermínio do mosquito, já que o caixa nacional da saúde pública está agonizante, também não é justo multar a população.