A diarista pernambucana, Miriam Pereira, de 40 anos, aceitou uma difícil missão: adotar um recém-nascido com microcefalia. A esposa de seu irmão, Maria das Dores Rodrigues, foi infectada pelo zika vírus durante a gravidez, manifestou diversos sintomas de depressão na gestação e não quis ficar com a filha, Maria Eduarda. Miriam decidiu, então, adotar a criança e assumir a responsabilidade de cuidar de suas necessidades. O fato é mais comum do que se imagina. Moradoras de Olinda, vizinhas de Miriam e também gestantes, apresentaram surtos de ansiedade e irritabilidade com freqüência nos últimos meses. 

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“Elas estão muito nervosas e dizem que não querem ter filhos para enfrentar os mesmos problemas que eu”, diz a diarista. O drama dessas mulheres revela outra face da epidemia que assola o País desde o fim do ano passado. O vírus zika pode contribuir para o aumento de casos de depressão no decorrer e após o parto. O problema expõe um ponto central: o governo está pronto para oferecer assistência psiquiátrica às gestantes acometidas pelo vírus? “Ninguém está preparado. Isso pode se traduzir em um problema social grave, porque a comunidade médica ainda desconhece o grau de comprometimento da microcefalia. 
 
E, em alguns casos, pode agravar surtos de ansiedade e estresse durante a gestação”, afirma Artur Dzik, diretor da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana. Há uma tensão desencadeada pela preocupação com o zika. As grávidas estão em estado de alerta com a epidemia. O medo de que algo aconteça com a criança que está sendo gestada pode causar depressão mesmo que nada tenha ocorrido. De acordo a ginecologista e obstetra coordenadora estadual de políticas públicas para mulheres de São Paulo, Albertina Duarte Takiuti, a estimativa é de 10% de casos de depressão pós-parto, mas o com o zika vírus pode chegar a 30%, ou seja, em cada 10 mulheres, três podem manifestar um tipo de depressão associada à epidemia. 
 
A ansiedade e o estresse gerados em função da preocupação com a saúde do feto pode desgastar mais ainda as gestantes. Em alguns estados do Nordeste foram criados protocolos de atendimento para atender grávidas e mães de crianças que nasceram com microcefalia. No entanto, as equipes multidisciplinares já existentes são consideradas insuficientes para garantir a saúde psicológica das mulheres. “Seria necessário montar centros de referência especializados no atendimento de mulheres grávidas e mães de bebês com malformação cerebral”, explica Dzik. 
 
“Precisamos fazer do zika um aliado para discutir a depressão. 
O silêncio só aumenta o problema.”
Albertina Takiuti, ginecologista e obstetra
 
Segundo o médico, todos os serviços devem estar agrupados para que a mãe não tenha dificuldade de locomoção. A pernambucana Miriam percorre três hospitais ao longo da semana para dar assistência à Maria Eduarda, de três meses. Na AACD, ela faz fisioterapia para estimular a coordenação motora, no hospital Agamenon Magalhães, atividades para tratar a audição e no hospital Altino Ventura, exercícios para a visão. “Duas vizinhas minhas, uma grávida de seis meses e a outra prestes a dar à luz, têm crises de choro e ansiedade o tempo todo.” No final da gestação e no pós-parto, as mulheres ficam mais vulneráveis. 
 
Segundo Dzik, quando os riscos são desconhecidos, como no caso das conseqüências da infecção por zika vírus, o quadro se torna mais angustiante. “Como não há certeza sobre o grau de severidade da microcefalia, as mulheres tendem a apresentar quadros psiquiátricos mais intensos”, afirma. O cenário pode se tornar ainda mais grave nos próximos quatro meses. Isso porque em estados como São Paulo, o zika ainda não atingiu seu ápice. “Não podemos mais remediar”, diz Dzik. Além de causar impactos à saúde da mãe, a depressão associada ao zika também pode interferir no desenvolvimento do bebê. 
 
“A placenta tem dificuldade de filtrar substâncias sanguíneas do estresse e isso é passado para o feto”, explica. “No pós-parto, a amamentação pode ser prejudicada e, em casos mais acentuados, gerar uma aversão ao bebê.” O processo que envolve a gravidez é repleto de temores. “Há uma dor intensa no parto e um grande medo para saber se o bebê vai nascer perfeito”, diz Albertina. A ginecologista afirma que o que era apenas uma fantasia está se tornando uma realidade assustadora. “Todo dia uma mulher me pergunta se deve ou não adiar o projeto de ser mãe.” 
 
A angústia, segundo a obstetra, é o principal fator que leva à depressão. “Mesmo que a criança não nasça com malformação cerebral, no pós-parto conta toda a situação de estresse”. Os profissionais de saúde e a família precisam estar mais bem preparados para ouvir as queixas da gestante e o sistema de saúde público precisa se desenvolver para dar o atendimento esperado a esse público. “A mulher tem que se expressar e ter respostas que a acalmem”, diz ela. A situação de trauma emocional durante a gravidez também acarreta problemas como anemia e hipoglicemia. “Precisamos fazer do zika um aliado para discutir a depressão durante o parto. O silêncio só aumenta o problema.”
 
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Colaborou: Camila Brandalise

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