Ao subir a rampa do Palácio do Planalto em 2003, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se revestiu como um semideus. Passou a usar a sua biografia, de torneiro mecânico a presidente, para reforçar a ideia que todos os brasileiros possuem os mesmos deveres e direitos. Pena que o próprio Lula não leve a sua parábola a sério. Na última semana, o ex-presidente se colocou, novamente, acima da lei. Durante a festa de aniversário do PT, fez troça do Judiciário. Questionou a isenção das investigações. Em outro movimento, usou a influência sobre a sucessora para retirar José Eduardo Cardozo, do Ministério da Justiça. 

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Julgava Cardozo incapaz de limitar os alcances da Polícia Federal. A última tacada de Lula foi em direção ao Supremo Tribunal Federal (STF). Seus advogados tentam suspender as investigações do Ministério Público Paulista e da Força-Tarefa da Lava Jato sobre favorecimentos recebidos pela sua família de empreiteiras acusadas no Petrolão. Recorrer até onde der é um direito de Lula – e de qualquer cidadão. Mas causa estranheza o fato de o homem que se autointitula dono da “alma mais honesta do Brasil” fazer um ziguezague jurídico para não ter de dar explicações a autoridades sobre a ocultação da propriedade de um tríplex no Guarujá e de um sítio em Atibaia, reformados por empresas investigadas. 
 
Lula liquidou o simbolismo da própria imagem, mas ainda acredita que é mito. Do alto, parece não enxergar a realidade. O ex-presidente e a mulher, Marisa Letícia, só não foram obrigados a comparecer ao Ministério Público Paulista para esclarecer a ocultação de um tríplex reformado pela OAS no Guarujá por não serem tratados mais como simples testemunhas. Figuram como investigados. No caso do sítio de Atibaia, que também refuta ser dono, até os pedalinhos estampam os nomes de seus netos e foram comprados por um assessor. Em Curitiba, a situação do ex-presidente também se complica. Os procuradores e delegados federais da Lava Jato abandonaram a cerimônia dispensada a Lula nas até agora 23 fases da Operação. 
 
Eles o tratam como um suspeito. Em documento endereçado ao Supremo Tribunal Federal, o procurador Deltan Dallagnol afirma que há investigação sobre vantagens recebidas pelo ex-presidente. Parte delas teria ocorrido quando ainda ocupava a cadeira de presidente da República. Não bastasse os problemas com a Justiça, a sua popularidade cai a cada pesquisa. Mas, mesmo assim, Lula discursa como se a cadeira do Planalto sempre estivesse à espera de sua vontade. A distância entra a realidade e o discurso de Lula cresce a cada dia. A blindagem do PT ao seu líder se rompeu. 
 
Companheiros, como o senador Delcídio do Amaral (confira aqui), não estão dispostos a matar no peito toda a responsabilidade, como ocorreu no Mensalão. O ex-dirigente da OAS Leo Pinheiro caminha para a delação premiada. Ele, além de outros executivos da empresa, quer contar tudo o que sabe sobre as benesses pagas pela empreiteira a campanhas e a petistas e políticos da base aliada. Pretende obter, assim, redução de pena na condenação imposta pelo juiz Sergio Moro. E o executivo Leo Pinheiro sabe muito. Principalmente quando o assunto é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os dois mantiverem uma estreita relação durante a estada do petista e da sua sucessora no poder. 
 
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Alvo Investigadores da Lava Jato dizem, em ofício enviado ao STF (acima),
que há indícios de que Lula recebeu vantagens durante o mandato

 
A construtora amealhou bilionários contratos com o governo federal e com estatais. Por outro lado, pagou despesas de campanha, entrou em cena para tentar salvar o partido no escândalo Bancoop e agraciou líderes da sigla com imóveis e presentes. Foi o próprio Leo Pinheiro que visitou as reformas pagas pela OAS do tríplex no Guarujá ao lado da mulher de Lula, Marisa Letícia, e de um dos filhos do casal. Também de Leo Pinheiro, acreditam os investigadores, partiram ordens para a OAS pagar mobílias do sítio frequentado pela família Lula em Atibaia. 
 
Os escândalos deixam uma marca indelével na biografia de Luiz Inácio Lula da Silva. A imagem do ex-presidente, que deixou o Planalto com popularidade recorde, corrói-se a cada evidência de ter tirado vantagens do cargo em benefício próprio. E os indícios se avolumam. As evidências de que estatais foram saqueadas para elegê-lo tornam, cada vez menos plausível, considerar que Lula não sabia de nada, como disse no similar caso do Mensalão. Para piorar, as próximas semanas do ex-presidente prometem ser ainda mais conturbadas.
 
 
Créditos das fotos nesta matéria: EFE/Antonio Lacerda