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Quem entende o amor? Tido por muitos como a força que move o mundo, ele é debatido, estudado, virado, revirado e vivido intensamente, mas ninguém consegue compreender os mecanismos que guiam esse intrincado sentimento. Por essa aura de mistério que o cerca e porque ele é um dos temas que mais fascinam os homens desde o início dos tempos, não param de surgir teorias e especialidades criadas com o intuito de tentar explicá-lo. Sem sucesso, diga-se de passagem. Mas da ânsia pelo esclarecimento do que parece ser incompreensível e das infinitas discussões do assunto surgem consensos. E, baseados quase exclusivamente na observação do comportamento humano, eles viram senso comum. “Os homens dão mais valor à parte física das mulheres e as mulheres ao status social dos homens”; “relações proibidas são empolgantes”; “o convívio antes do casamento prepara o casal para a vida conjugal”; “para os homens, masculinidade se afirma com vigor físico e sexual”; “biologicamente, nós, humanos, não fomos feitos para a monogamia”. E se todas essas afirmações fossem mitos? Nos últimos anos, um sem-número de cientistas se debruçou sobre o comportamento de milhares de voluntários para analisar suas reações nas diferentes etapas do relacionamento afetivo: quando queriam conquistar, no momento em que gostariam de ser conquistados, na hora em que decidiam morar juntos, quando traíam ou envelheciam, entre outros. Com as pesquisas, uma série de mitos caiu por terra.

É só comprovar o que dizem os estudos nos quadros ao longo desta reportagem. Nove conceitos consagrados sobre relacionamento afetivo são derrubados, um a um. São teses acadêmicas de respeitadas instituições de ensino do Exterior que se sustentam em investigações e experimentos genéticos sobre monogamia e psicológicos que se debruçam sobre a atração sexual e o fim da paixão, entre outros. “Uma coisa é o que as pessoas dizem que fazem”, explica Marcelo Lercher, sociólogo e professor da Universidade de Brasília. “Outra é o que elas fazem de fato.” É dessa diferença que surgem os mitos. Não é de hoje que o mito ocupa um lugar de destaque nas sociedades. Na cultura ocidental, os primeiros registros surgiram na Grécia Antiga. Lá, algumas histórias representativas da cultura daquele tempo criaram moldes para o que se julgava certo e errado – o que torna o mito um fenômeno intimamente ligado à época e ao local em que ele surge. O amor e o ser amado na Grécia Antiga, por exemplo, eram como objetos inalcançáveis, perfeitos e pelos quais se justificava uma busca quase obsessiva. “É uma aspiração do menos perfeito ao mais perfeito”, explica Arlindo Ferreira Gonçalves Júnior, professor de filosofia e psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP). O sentimento é mais desejo e idealização do que prática. “O amor surge como uma vontade que nunca se sacia”, resume Gonçalves. É nesse momento que nasce o mito do amor platônico, ícone daquele sentimento que se restringe à idealização e que é pleno só quando não é correspondido.

Uma coisa é o que as pessoas dizem que fazem. Outra é o que elas fazem de fato. É dessa diferença que nascem os mitos

Já no primeiro milênio da era cristã, com a consolidação do cristianismo como religião representativa no Ocidente, a noção grega de amor sofreu uma mudança radical – e, com ela, mudaram os mitos. Na religião de Jesus Cristo, o sentimento perde esse forte componente de carência porque Deus, o grande objeto de adoração, também ama. Nesse sentido, desaba a noção de amor ideal como o não correspondido forjada na Grécia Antiga e, no lugar, entra uma nova percepção do sentimento. Se Deus assume o  posto máximo de ser amado, ele abre espaço para exigências mais terrenas de um companheiro ou companheira. Esse movimento em direção à humanização do sentimento também ganha força no Ocidente a partir das Cruzadas, no século XII. Durante as investidas ao Oriente, os europeus se deparam com noções de amor sensual até então desconhecidas ou esquecidas, principalmente depois da queda do Império Romano, no velho continente. Uma vez de volta a uma Europa em ascensão, eles ressurgem em movimentos literários influenciados pela cultura absorvida nessas viagens. Nessa época, aparecem diversas variações de mitos do guerreiro herói que, impelido pelo amor, resgata uma princesa pura e dá a ela a vida eterna com o seu sentimento.

Trata-se de uma concepção mais abrandada da idealizada platônica: ela já acontece no plano terreno e envolve pessoas com qualidades humanas. São as sementes do amor cada vez mais pessoal e carnal que se consolidará na Europa. Até o final do século XIX, as mudanças culturais e mitológicas já enumeradas demoravam décadas, até séculos para acontecer. Isso mudou de maneira determinante no século XX, quando tudo se acelerou. Duas grandes guerras mundiais, a ascensão e queda do comunismo e o turbilhão dos anos 60 foram mais do que suficientes para fragilizar consensos e mitos até então bem alicerçados, como o de que um casamento só funcionaria com os papéis de homem e mulher bem estabelecidos. Daí conceitos que o senso comum consagrou foram perdendo a credibilidade. Não é a toa que um dos mais respeitados historiadores da atualidade, o inglês Eric Hobsbawm, batizou essa centena de anos de “breve século XX” e falou em uma era de extremos para identificar o período. É nesse contexto que se criou boa parte das afirmações que são desmistificadas pelos estudiosos. Especialistas e pesquisadores procuraram explicar a origem dessas máximas, com base em estudos e teses acadêmicas recentes, de centros de excelência no Brasil e no Exterior. E, principalmente, porque hoje elas podem ser consideradas mitos. Mas, como vivemos uma época de mudanças que ocorrem com cada vez mais rapidez, amanhã elas podem voltar a ser consideradas verdades absolutas, para depois ser derrubadas novamente…

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Os primeiros registros de mitos sobre o amor surgiram na Grécia Antiga. Um deles fala da paixão platônica

“A concepção que temos do amor é a essência das nossas relações pessoais, mas hoje vivemos no tempo do amor líquido”, reforça o professor Gonçalves, da PUCCAMP, valendose de uma imagem comumente usada por um dos grandes teóricos da modernidade atual, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, também professor, só que das Universidades de Varsóvia, na Polônia, e de Leeds, na Inglaterra. “Essa é a era da impermanência e da volatilidade das relações humanas e isso tem reflexos inevitáveis no nosso entendimento de tudo. Inclusive do amor.”

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