Períodos anormalmente frios e escuros, causados pelas cinzas de grandes erupções vulcânicas, ajudaram a definir os aspectos mais marcantes da Idade Média (476 a 1453), segundo um estudo publicado na revista Nature Geoscience. De acordo com os pesquisadores, dois terços dos anos mais frios já registrados na Europa e na Ásia ocorreram nos séculos 6 e 7, após o ano 536, considerado um marco de eventos vulcânicos que jogaram tamanha quantidade de detritos na atmosfera que a luz solar acabou parcialmente bloqueada. O resultado disso foi uma extrema alteração climática que afetou as colheitas, a saúde das populações e até os padrões migratórios da região (confira quadro).

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DOENÇA
”A Praga em Ashdod”, pintura de Nicolas Poussin exposta no Louvre: retrato da morte na Idade Média

Embora a Idade Média se inicie oficialmente no ano 476, com a queda do Império Romano do Ocidente, foi apenas no século seguinte que a fome, a doença e as invasões de povos hostis se espalharam pela Eurásia. Até então, a região experimentava relativa prosperidade sob o Império Romano do Oriente. Segundo os cientistas liderados pelo professor Ulf Büntgen, do Instituto Nacional de Pesquisas da Suíça, tudo mudou quando o frio causado pelo bloqueio da luz solar acabou com as colheitas. A consequente desnutrição dos povos favoreceu a disseminação da peste bubônica, forçou a migração de tribos bárbaras e as movimentações de exércitos em direção aos domínios dos romanos do Oriente.

“Esse foi o resfriamento mais dramático no Hemisfério Norte nos últimos dois mil anos”, diz Büntgen. Para chegar a essa conclusão, pesquisadores analisaram os anéis que se formam em troncos de árvores. Ao observar exemplares coletados nos Alpes Europeus e na região do Altai, na Rússia, os cientistas identificaram anéis mais estreitos, típicos de anos frios, dentro de um período de 120 anos que coincide com eventos importantes da Idade Média. Um desses marcos foi a Praga de Justiniano, uma epidemia de peste bubônica que matou entre 25 milhões e 50 milhões a partir do ano 541. Os dados dos anéis foram cruzados com registros em cilindros de gelo retirados dos polos. A cinza depositada na água congelada ao longo dos séculos indica que essas explosões ocorreram seguidamente, nos anos 536, 540 e 547.

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LINHA DO TEMPO
Por meio da análise dos anéis de troncos de árvores, cientistas identificam
anos mais frios ou quentes. Variações em colunas de gelo retiradas
dos polos indicam períodos de erupções vulcânicas

Para o professor Büntgen, as evidências mostram que as mudanças climáticas foram um fator crucial para iniciar as transformações sociais e políticas que culminaram na chamada Idade das Trevas. E isso não é algo que a sociedade atual deve ignorar. “Podemos aprender muito com a velocidade e a escala das transformações que ocorreram naquele tempo”, diz. 

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