chamada].jpg
APOIO
A Beija-Flor recebeu R$ 3,5 milhões do governo do DF

Tradição nas marchinhas e tema recorrente dos irreverentes blocos carnavalescos que tomam conta das ruas brasileiras na festa de Momo, as mazelas políticas que não cansam de assombrar o País não são exatamente bemvindas nos caros e pomposos desfiles das escolas de samba. Mas este ano a prática de fechar os olhos para os escândalos do poder promete colocar duas agremiações tradicionais dos carnavais do Rio e de São Paulo em uma situação que pode ser classificada de, no mínimo, desconfortável. Tanto a Beija-Flor de Nilópolis, uma das escolas mais tradicionais do Carnaval carioca, como a paulista Acadêmicos do Tucuruvi criaram seus sambas- enredo em cima de temas que, especialmente neste ano, estão intimamente ligados à baixa qualidade da política brasileira. A Beija-Flor homenageia os 50 anos da capital federal brasileira com um samba-enredo que faz alusão à criação da cidade e seus folclores. Mas, tendo em vista os recentes escândalos políticos envolvendo o governo do Distrito Federal, o enredo soa um tanto autista por não citar em nenhum momento os incontáveis escândalos políticos que tiveram – e têm – Brasília como palco. “Não temos que nos vangloriar da história política brasileira. A escola deveria usar o desfile para fazer um protesto”, opina Gustavo Cavalcanti Firmino, morador do bairro de Nilópolis.

“Usar a ironia, com um carro abre-alas em forma de panetone, por exemplo, seria uma boa ideia”, diz Cavalcanti, fazendo menção ao fato de o governador do DF, José Roberto Arruda, ter dito que o dinheiro flagrado em meias e cuecas era para a compra de panetones que seriam distribuídos para a população carente de Brasília. A escola, no entanto, não fará nenhuma alusão ao mensalão, ao panetone ou a outro assunto político. “O enredo foca na história de Brasília. Não fala nada de política. O único político que a escola cita é o Juscelino Kubitschek”, defende Luís Fernando Ribeiro do Carmo, o Laíla, diretorgeral e de harmonia da Beija-Flor. Ele diz, ainda, que o desfile não contará com nenhum político. “De Brasília, só vem o povo”, avisa o presidente. Mas até estourar o escândalo do mensalão de Brasília, o governador José Roberto Arruda iria desfilar na Sapucaí. “Brasília é a capital da esperança, todos esperam que os políticos consigam fazer o País melhorar, diz Laíla. Mas, para alguns, a relação, longe do otimismo do presidente, mostra-se irônica. “O enredo não foi muito bem colocado”, avalia Lícia Silva de Carvalho, 42 anos, comerciante de Nilópolis. “Eu acho que tinha que ter uma ala com cuecas, bolsinhas, caças e panetones”, diz a comerciante, que preferia a natureza como tema. Mas a realidade das escolas de samba não permite uma criatividade sem limites. Colocar o tema em uma situação incômoda pode inviabilizar sua execução na avenida. Diferentemente das marchinhas surgidas nos anos 1920, e que até hoje inspiram sátiras à política brasileira, as agremiações dependem de incentivos financeiros.

Carnaval-02_IE-2098.jpg
VETO
Diretor da escola carioca diz que políticos não irão desfilar

Os maiores patrocinadores do Carnaval são ou o governo ou as grandes empresas privadas. E mexer em vespeiros como escândalos não é uma atitude acertada para a escola que quer ser campeã. A Beija-Flor já recebeu R$ 3,5 milhões de incentivo do governo do Distrito Federal e na paulista Tucuruvi, que escolheu São Luís do Maranhão como tema, o valor do patrocínio está sendo negociado. “Eles decidirão o valor. O que vier será de bom proveito”, diz o presidente da escola, Hussein Abdo Selam, o Jamil, referindo-se à prefeitura da cidade homenageada. A escolha da capital do Maranhão, terra do presidente do Senado, José Sarney, tornou-se incômoda devido a fatos ocorridos no ano passado. O sobrenome símbolo do Estado esteve na berlinda em 2009, com escândalos envolvendo toda a família. Mas na escola e no bairro da zona norte de São Paulo ninguém parece se preocupar com isso. “Ninguém se lembra de corrupção no Carnaval, muito menos que Sarney mora no Maranhão”, minimiza Alexandre Silvestre, 37 anos, dono de uma loja de roupas vizinha à sede  a escola de samba. “O rap é que deveria se ocupar das críticas à política. Carnaval  é alegria”, completa. A rainha da bateria, Sheila Mello, também defende que o Carnaval não pode ser palco para falar de corrupção. “Não estou apta a falar de política, mas acredito que a festa de Carnaval, com todas as suas questões culturais, é muito maior que qualquer família”, diz a dançarina, referindo-se aos Sarney. Jamil também é categórico na defesa do tema: “Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Falaremos de turismo, da arte, da vocação cultural da cidade. Política é política, Carnaval é Carnaval.” Feliz com o tema, ele avisa agreque o samba-enredo “São Luís do Maranhão: um universo de encanto e magias” está recebendo grande apoio dos ludovicenses, como são conhecidos os naturais da cidade de São Luís. Cerca de 600 pessoas virão da capital do Maranhão especialmente para o desfile. Assim como na Beija-Flor, este ano os políticos da cidade homenageada não darão o ar da graça no desfile.

A prova de que Laíla e Jamil estão certos na avaliação de que política e Carnaval não se misturam só poderá ser vista na resposta que virá das arquibancadas. Para o antropólogo Roberto DaMatta, autor do livro “Carnaval, Malandros e Heróis”, o tema política não combina com Carnaval. “A política tem a ver com o solene, o sério, a hipocrisia; já o Carnaval é uma contraposição à realidade da vida”, diz o antropólogo. Mas a prudência aconselha as duas escolas a sambar miudinho, para não causar reação negativa no entusiasmado público  da Marquês de Sapucaí e do Sambódromo do Anhembi. 

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

IEpag42e43Carnaval-2.jpg


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias