Condenado em dezembro do ano passado pelo Supremo Tribunal Federal a 26 anos de prisão por fraudes nas obras do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo nos idos da década de 90, o ex-senador e empresário Luis Estevão circulava até recentemente impunemente pelas ruas Brasília a bordo de sua Ferrari vermelha, frequentava os melhores restaurantes e levava uma vida luxuosa. Graças ao trabalho de seus advogados que se valem de todos os recursos disponíveis na legislação para defender o cliente, atrasando em anos o início de cumprimento de pena. Até hoje, Estevão ainda recorre na alta Corte e, por isso, não está atrás das grades. O ex-seminarista Gil Rugai, condenado em segunda instância por assassinar o pai e a madrasta em 2004, recorre até a tribunais superiores e vive em plena liberdade. O fazendeiro Regivaldo Pereira Galvão, condenado a 30 anos de prisão pela morte da missionária Dorothy Stang, também tem uma rotina absoluta tranquila pelas ruas de Altamira (PA), aguardando decisão de recursos interpostos no STF. Casos como esses são exemplos latentes da sensação de impunidade da qual os cidadãos brasileiros de bem estão fartos. Em comum entre eles e outras dezenas de situações semelhantes existe o fato de serem brasileiros privilegiados, daqueles que ocupam o andar de cima na pirâmide social. Mas, uma polêmica decisão tomada por maioria dos ministros do STF na quinta-feira 18 pode mudar esse cenário.

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Por sete votos favoráveis e quatro contrários, os ministros entenderam que réus condenados em segunda instância podem, dependendo do caso, começar a cumprir pena imediatamente. Assim, os incontáveis recursos não terão força para evitar a prisão. Os críticos dessa nova jurisprudência sustentam que ela viola um dos pilares da chamada Constituição Cidadã, pois retira direitos e ignora a presunção da inocência. Trata-se de um argumento conceitualmente válido. O problema é que, na prática, a grande maioria dos brasileiros não tem acesso a esses direitos e os inúmeros recursos acabam sim servindo para favorecer uma minoria. Hoje, 41% da população carcerária do País está presa preventivamente, ou seja, ainda aguardando julgamento em primeira instância. Ou seja, a Constituição Cidadã não vale para boa parte dos réus com menos acesso a boas defesas.

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Entre os críticos estão basicamente advogados. Por outro lado, há quem defenda a nova jurisprudência. “O Ministério Público aplaude a decisão do Supremo porque abrevia uma resposta do Judiciário e aperfeiçoa o cumprimento da lei penal”, afirmou o promotor-geral do Ministério Público de São Paulo, Márcio Elias Rosa. Por uma dessas estranhas coincidências, a decisão do Supremo veio na mesma semana em que o jornalista Pimenta Neves, condenado por matar a namorada de forma covarde com tiros nas costas em 2000, saiu da prisão para cumprir o resto de sua pena em casa. Pimenta, condenado a 19 anos de prisão, usou todos os recursos a que tinha direito e só foi efetivamente para a cadeia em 2011, onze anos depois da condenação. E ficou apenas cinco anos atrás das grades.

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A decisão foi aplaudida por dois dos togados mais populares do País, o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa e o juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato. Mas, ministros do Supremo ouvidos por ISTOÉ sustentam que a nova jurisprudência possa ser um primeiro passo para que as determinações sobre as prisões preventivas passem a exigir maior rigor para serem decretadas, pois muitas vezes acabam aprovadas para reduzir a sensação de impunidade. Se isso ocorrer, acusados no esquema do Petrolão poderão temporariamente ser favorecidos.