Registrou-se a participação de 2,5 milhões de foliões no mega bloco pernambucano “Galo da Madrugada”, quase o equivalente a população inteira do Recife estava lá. Em Minas, mais de 1,6 milhão de pessoas seguiu atrás dos blocos “Papuda” e “Manjericão”. Número semelhante de cariocas acompanhou o “Cordão do Bola Preta”. São Paulo não ficou atrás: 380 blocos disputaram a preferência de cerca de dois milhões de animados participantes. Por todo o País a mesma coisa. Foram muitos brasileiros – em bandos, organizados ou não, espontaneamente, sem convocação, alguns até pagando – às ruas para festejar os dias de Momo. Multidões comemorando e, por um breve momento, se esquecendo dos problemas do dia a dia. Justo envolvimento naquela que é a mais popular manifestação cultural de nosso povo. A lamentar apenas que tal engajamento também não ocorra em momentos de protestos por causas, digamos, menos dionisíacas. A mobilização transformadora está longe de ser uma preferência nacional. Não ganha, nem de longe, tamanha quantidade de adeptos. E não por que os brasileiros deixem de apoiar suas bandeiras. Ao contrário. As pesquisas mostram intensa insatisfação com os rumos políticos, econômicos e sociais vividos por essas paragens, especialmente agora. Mas a marcha por direitos, a articulação por reivindicações de interesse comum, o envolvimento em pressões contra representantes que quebram promessas e desrespeitam o voto não combinam com a natureza pacífica de nosso povo. Que não se confunda tal comportamento com resignação. É da índole ordeira, construída de geração em geração, através dos séculos. Não são ingênuos, nem alienados, aqueles que buscam uma válvula de escape para o festival de frustrações e barbáries enfrentadas cotidianamente. Como também não podem ser tomados como acomodados ou simpatizantes do status quo aqueles que deixam de ir às passeatas frequentemente em voga. Os políticos que ditam os caminhos da Nação até querem crer nessa possibilidade. Tendem a encarar os brasileiros como mera massa de manobra, simples seguidores que os apoiam em troca de nada, ou de muito pouco, fáceis de serem manipulados em seus currais eleitorais. Por isso desconsideram a vontade popular, fazem “o diabo”, rasgam princípios republicanos e depois, em tempos de campanha, gastam milhões em propaganda enganosa, no marketing de vender mentiras, para angariar o precioso, e conjunturalmente decisivo, voto. Salvadores da pátria, falsos defensores dos pobres e oprimidos, aparecem aos montes. Se arvoram a condição de heróis para depois saquear o patrimônio público. Assistimos a esse enredo novamente, numa reprise extenuante. Na passarela do poder desfilam hoje figuras bisonhas da política brasileira, arlequins de cartola, farsantes de toda ordem, bufões da gatunagem, numa proporção assustadora, como nunca antes na história. Está na hora de dar um basta no carnaval dos espertalhões. De botar prá fora o bloco dos larápios contumazes. De quebrar com o paradigma secular de aceitação do roubo como algo natural. A conscientização geral tem o poder de mudar o curso das coisas. Brasileiros, senhores de seu destino, precisam tomar as rédeas, voltar às ruas para estabelecerem de vez o rumo que almejam trilhar nos próximos anos. Basta considerar que se, coletivamente, são tão criativos e organizados para produzir tamanha demonstração de união e beleza durante o carnaval, podem decerto aplicar os mesmos princípios numa causa ainda mais nobre. A festa da democracia merece da mesma maneira uma forte adesão, para assim revitalizar a autoestima nacional.  


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