Oti-ti-ti que vem da Sapucaí em 2016 é: menos ostentação aí, gente. Para muitos, a passarela do samba viverá um efeito colateral positivo da crise econômica brasileira. Se não há dinheiro, a ordem é ser criativo. Se não há patrocinador disposto a comprar um enredo, que tal fazer aquilo que se fazia nos bons tempos: o carnaval da comunidade. Negócios ficam para depois da quarta-feira. As escolas de samba do Rio de Janeiro devem desfilar, assim, uma versão alegre do triste retrocesso que o País atravessa. Se a dura realidade nos fez recuar ao tempo do medo da inflação e dos mosquitos transmissores de doenças, a escassez de patrocínios privados pode nos reaproximar da espontaneidade do Deixa Falar, o bloco vermelho e branco de Ismael Silva no Estácio de Sá, que, lá em 1929, foi o embrião da folia organizada na avenida.

É verdade que bem antes de o branded samba virar regra, diversos outros interesses exigiam malabarismos dos compositores e carnavalescos. Já na estreia dos desfiles oficiais, em 1932, os passistas marcharam ao ritmo do nacionalismo getulista. Promotor do espetáculo, o jornal carioca Mundo Sportivo alinhava-se ao presidente.

Eram os tempos do chamado samba exaltação. Mais recentemente, as escolas serviram aos interesses de seus patronos, os banqueiros do jogo do bicho. E quando a repressão à contravenção os fez submergir, a profissionalização trouxe às escolas soluções de mercado. O modelo de negócios funcionou bem e gerou produtos tipo exportação, movimentando uma indústria eficiente e da qual o Brasil pode se orgulhar. O Sambódromo é a nossa Hollywood. Fossem mais ousados, os organizadores da Rio 2016 poderiam ter imaginado até entregar aos carnavalescos a festa de abertura dos Jogos Olímpicos. Tirá-la do estádio e levá-la para a Marquês de Sapucaí. Misturar delegações esportivas com alas de passistas e grandes carros alegóricos. O mundo jamais esqueceria.

Mas esse mesmo modelo andou extrapolando. Na linha do “pagou, o surdo soou”, atravessou a natureza do carnaval ao comercializar enredos com ditadores africanos ou promover governantes brasileiros à base de dinheiro público. Agora, com os cofres apertados, as portas se fecharam para os marketeiros do samba. Talvez seja uma crise restauradora. Sem amarras contratuais, inspiração e criatividade ganham mais liberdade. A Beija Flor, aquela que no ano passado recebeu um cheque de R$ 10 milhões e entregou um luxuoso desfile ao governo da Guiné Equatorial, já avisou que chegará ao sambódromo com fantasias mais leves e feitas com materiais baratos. Seus dirigentes pareciam ter o plano perfeito. Sob o pretexto de homenagear o Marques de Sapucaí que dá nome à avenida do samba, procuraram ajuda nos cofres de Nova Lima, cidade de Minas Gerais onde nasceu o personagem histórico. Não havia tostão ali e a verba pública não veio. Foram então nas mineradoras, principais contribuintes da região. Também ali o dinheiro estava curto e, para piorar, o caso Samarco colocou todo o setor na muda.

Reciclagem de penas, utilização de materiais alternativos, ginástica para esticar orçamentos em média 40% menores mudarão a cara do carnaval carioca. Nos barracões, ao invés de lamentos, parece haver um certo contentamento com o fato de que as ideias que vêm de dentro passam a valer tanto, ou mais, que recursos de chegam de fora. Na turma que analisa desfile com olhares técnicos, há preocupações com o número crescente de integrantes – para faturar melhor, uma saída comum tem sido abrir vagas e vender mais fantasias ao público em geral. Para muitos, isso pode resultar em sambas e desfiles acelerados. Não seria o caso de comemorar o fato de que há mais gente se divertindo? Ou ressaltar que escola de samba também pode ensinar economia, produzindo
a mesma alegria com menos dinheiro?