O cartunista americano Robert Crumb levou quatro anos adaptando para quadrinhos o Gênesis, primeiro livro da "Bíblia". Foi tempo demais para um artista conhecido por finalizar seus trabalhos em um mês. Ele é satírico e ateu, e ficou famoso com sua obra "Fritz, the Cat". Jamais se detivera diante das Sagradas Escrituras até assumir a empreitada de ilustrá-las, proposta por seus editores. "Gênesis" (Conrad) narra os primórdios da humanidade em mais de 200 páginas de traços marcados pela irreverência, mas, ainda assim, bem comportados. Para começar a desenhar, Crumb dedicou longo tempo à pesquisa. Dois aspectos o intrigaram: o protagonismo das mulheres e a frequência de cenas envolvendo incesto e violência. A forte presença feminina o fez pensar em retratar Deus como uma mulher negra. Diz que mudou de ideia depois que um ancião lhe apareceu em um sonho e disse-lhe que era pecado, mas o mais provável é que tenha sido uma exigência do projeto original, que estabeleceu um livro ilustrado fiel ao Evangelho e não uma publicação desafiadora de dogmas – o que se poderia supor, conhecendo o estilo rebelde do autor.

Crumb revela que uma das maiores dificuldades que enfrentou foi a reprodução em quadrinhos das vestes masculinas. Na primeira versão, o ilustrador Pete Poplaski o advertiu que os trajes pareciam roupões de banho. Ele refez os seus traços dezenas de vezes. Mostra-se bem à vontade e reafirma o seu melhor estilo, no entanto, na caracterização das mulheres: elas são voluptuosas, com seios e quadris fartos. É assim que ele nos apresenta Eva, no Paraíso, e também as filhas de Ló, que protagonizam a passagem incestuosa da "Bíblia" em que embebedam e seduzem o pai para dar continuidade à linhagem familiar. O exjunkie e descrente Crumb mostrou-se surpreso com o realismo do texto religioso: "A história é sinistra, cheia de todo tipo de coisas cruéis e disparatadas."

FOTO: GEORGE STEINMETZ/CORBIS