Na primeira semana de fevereiro, quando deputados e senadores voltarem ao trabalho, não é apenas o processo de impeachment que deverá estar na lista de prioridades dos congressistas. Eles precisam também voltar as atenções para a Medida Provisória 703, apresentada em dezembro do ano passado pela presidente Dilma Rousseff, e que muda as regras dos acordos de leniência entre o governo e companhias que cometeram atos ilícitos. O texto atualiza a lei 12.846, de 2013, e pode permitir a empresas envolvidas em investigações como a Operação Lava Jato a voltar a fazer negócios com a esfera pública (desde que se comprometam a devolver o dinheiro desviado e adotar práticas anticorrupção). A aprovação da MP é essencial – e por um motivo simples. Ela ajudará a destravar o Brasil, que enfrenta a maior crise econômica em quase três décadas. Nos moldes atuais, a companhia envolvida em atos ilícitos acaba penalizada com a perda de contratos que podem levar à falência. Na verdade, os responsáveis pelas empresas é que devem ser punidos. Ao permitir que as corporações voltem a fazer negócios com o governo, a MP colabora para a retomada dos investimentos e, como consequência, para a preservação de milhares de empregos.

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SAÍDA PARA A CRISE
Obra parada da Petrobras: com os acordos de leniência, País pode sair do atoleiro

A MP 703 atendeu a uma demanda de diversos setores e uniu sindicalistas, empresários, juristas e economistas. Na prática, a Medida Provisória apenas se antecipou a um projeto de autoria do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), aprovado no Senado em novembro do ano passado, mas que ainda teria que ser debatido na Câmara. A principal resistência vem do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União (TCU). Procuradores têm dito que a medida pode aumentar a impunidade de empresas corruptas e o TCU reivindica maior participação ao longo do processo. “O TCU e o Ministério Público devem participar desde o início das investigações”, diz Júlio Marcelo Oliveira, procurador do Ministério Público junto ao TCU.

O ministro-interino da Controladoria Geral da União e ex-secretário executivo da pasta, Carlos Higino, rebate as críticas com o argumento de que a legislação enviada ao Congresso é moderna e se assemelha à dos Estados Unidos, elevando o Brasil a “outro patamar no ambiente de negócios”. Higino diz ainda que o texto foi negociado com o Ministério Público e que o órgão sai fortalecido com a nova lei, que passa a prever a participação dos procuradores na assinatura do acordo. Sobre as críticas do TCU, o ministro compara o papel do Tribunal ao de juízes como Sérgio Moro que, nas delações premiadas, atuam apenas na homologação do acordo, sem participar da negociação. “Por acaso alguém acha que eles estão sendo diminuídos com essa função?”, questiona o titular da CGU. Segundo Higino, com a nova lei e a celebração de acordos com as empresas investigadas pela Lava Jato, o retorno financeiro aos cofres públicos “superará a casa dos bilhões de reais” em multas.

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A avaliação é respaldada pelo tributarista Ives Gandra Martins, contumaz crítico do governo Dilma. “O que está em jogo é a economia nacional”, diz ele. “É preciso enxergar a função social da empresa, que transcende seus diretores. A leniência é para a pessoa jurídica o que a delação premiada é para a pessoa física.” O argumento econômico também é enfatizado pelo ministro da Advocacia Geral da União, Luís Inácio Adams. Segundo ele, é preciso levar em conta a “multiplicidade de atores nacionais e internacionais que terão prejuízo” com a quebra das empreiteiras. “As empresas responsáveis têm de estar comprometidas em ressarcir o erário público, mas fechá-las não deve ser uma opção”, afirma. Segundo o professor do Instituto Brasiliense de Direito Público, Rodrigo Mudrovitsch, outro ponto importante é o fato de a MP abrir a possibilidade de mais empresas aderirem à leniência. “A MP toma o cuidado de prever um escalonamento dos benefícios, de modo que a primeira companhia a firmá-lo tenha mais vantagens em relação às seguintes. Assim como ocorre hoje no Cade”, diz Mudrovitsch.