FLAGELO Jovens viciados no Rio de Janeiro: a apreensão da droga aumentou 542%, em um ano, na cidade

O nome crack vem do som de estalo que a droga produz quando é aquecida no cachimbo, antes de ser consumida. A palavra é, hoje, sinônimo de um dos maiores flagelos do País. Uma pesquisa encomendada pela Secretaria Nacional Antidrogas revela que 40% das pessoas internadas por dependência química em centros particulares do País são jovens da classe média viciados em crack. No Rio de Janeiro, o psiquiatra Jorge Jaber, que mantém duas clínicas para tratamento de dependentes, afirma que o número de pessoas que buscam atendimento aumentou 70% nos últimos 18 meses, por causa da droga.

O crack se disseminou numa velocidade tão assustadora nos últimos dois anos que superou a maconha em número absoluto de apreensões até em Pernambuco, tradicional polo de produção da erva. Segundo o delegado Luiz Andrey Oliveira, do Departamento de Repressão aos Narcóticos do Estado, em 2007, foram apreendidos em Pernambuco oito quilos da droga, contra 32 quilos nos dez primeiros meses de 2009. No Rio de Janeiro, o total de apreensões saltou de dez quilos no ano passado para 65 quilos este ano.

Até alguns anos atrás, crack era alucinógeno da camada social mais pobre da população por causa do preço quase irrisório. Produzida a partir dos restos do refino da cocaína, essa droga provoca dependência quase imediatamente. "Em termos de potencial para viciar, é comparável à heroína", diz o psiquiatra Felix Kessler, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pela primeira vez, representantes do governo dizem que a droga é uma questão de saúde no País, e não somente de polícia.

"O crack não é apenas um fator criminal, é um problema de saúde", afirmou, na semana passada, o ministro da Justiça, Tarso Genro, durante visita ao Rio. E o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, anunciou investimentos de R$ 110 milhões no atendimento a usuários em todo o Brasil. "É algo gravíssimo que afeta a sociedade brasileira, nós temos que enfrentá-lo", disse Temporão.

Mas para que o entorpecente fosse alçado ao centro do debate foi preciso que uma tragédia acontecesse: o assassinato da estudante Bárbara Chamun Calazans Lino, 18 anos, estrangulada pelo músico viciado em crack Bruno Kligierman de Melo, 26, na zona sul do Rio, na semana passada. Pela brutalidade do crime e pela inocência de Bárbara, que tentava "tirar" o amigo do vício, o fato abriu os olhos para esta chaga, que se disseminou no Brasil nos anos 90, após uma explosão de consumo nos Estados Unidos na década anterior. Tomou, primeiramente, conta de São Paulo, onde uma área do centro foi batizada de cracolândia.

"O crack é uma doença que leva o cara para o fundo do poço. E eu cheguei lá"
Cristiano, internado para tratar o vício

Há anos, a prefeitura tenta, sem sucesso, reurbanizar a região, mas não consegue fazer com que os viciados saiam de lá e a iniciativa privada invista no local. Hoje, é possível comprar crack até pela internet.

Um dos motivos do grande sucesso das "pedras", como são chamadas, é a rapidez com que começa a agir no corpo, cerca de oito segundos após a tragada. No entanto, como a euforia também acaba muito rapidamente, o consumidor se vê obrigado a fumar uma pedra atrás da outra para não cair em depressão. "O crack é assim, você nem bem acabou de fumar e já quer mais", resume o jovem Leonardo, 18 anos, da classe média carioca. Ele conversou com ISTOÉ numa clínica particular de recuperação onde foi internado pelos avós. Leonardo usa a droga desde os 14 anos e chegou a passar quatro dias sem comer e sem dormir, só consumindo crack. "Não sei como aconteceu, mas desaprendi a ler e escrever. Até dançar, que eu adorava, não consigo mais", conta cabisbaixo.

TRAGÉDIA Bárbara Lino, 18 anos, morreu estrangulada pelo amigo, Bruno Melo, viciado em crack

Antes de procurar socorro, Leonardo praticamente virou bandido. "Já roubei táxi, ônibus e pedestre. Só não matei", revela o rapaz, que está feliz porque não usa a droga há 15 dias. "O indivíduo se isola num processo de embrutecimento e desumanização absurdos, que causam rompimentos familiares, de trabalho e de escolaridade", explica Luis Sapori, coordenador do Centro de Estudos e Pesquisas em Segurança Pública da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. "Isso gera um tipo de violência mais intensiva, consistente e perversa do que a cocaína e a maconha."

Cristiano tem 31 anos e experimentou a droga apenas seis meses antes de se internar. "O crack é uma doença que leva o cara para o fundo do poço. E eu cheguei lá", desabafa o rapaz, que é apenas uma sombra da pessoa ativa que já foi. Ele pesava 70 quilos antes de provar o alucinógeno, hoje tem 46 quilos, perdeu os dentes e tem vários tiques nervosos, provocados pelo período de abstinência. "É um vício, como todos, que degrada não só o usuário, mas também a família dele", alerta o delegado Luís Cravo Dória, da Coordenação- Geral de Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal. Dória diz que a polícia está fazendo o que pode para conter a escalada do crack na sociedade, mas admite que a missão é muito difícil.

Fotos: Domingos Peixoto/Ag. O globo; Fernando Quevedo/ag. o globo; Daniela Dacorso/ag. istoé

"A maior parte da cocaína consumida no Brasil vem da Bolívia, onde o governo perdeu o controle das áreas de cultivo da planta", alega o delegado. Impedir que as drogas entrem no País é apenas uma parte da batalha. A outra, mais pessoal, se dá dentro das casas e deve ser enfrentada da mesma forma que se luta contra um câncer. Quanto mais cedo se descobrir o tumor – no caso, o envolvimento do jovem com o crack -, maiores são as chances de recuperação e cura.