Abatida por denúncias sobre o desvio de R$ 500 mil em recursos da Lei Rouanet, a Fundação José Sarney, destinada a preservar a memória da passagem do político maranhense pelo Palácio do Planalto, está prestes a fechar suas portas. Diante do escândalo, empresas que ajudavam a manter a entidade, que ocupa o histórico Convento das Mercês, em São Luís (MA), cortaram o patrocínio, obrigando Sarney a sustentar a entidade do próprio bolso.

CULTO AO EGO Entidade construiu até mausoléu para Sarney

A fundação custa em média R$ 50 mil por mês, entre despesas com pessoal, luz, água e telefone. Quando há exposições e outros eventos, a conta sobe para R$ 70 mil. Sem o apoio de terceiros, o ex-presidente resolveu extinguir a fundação. Em nota oficial, o presidente do Senado explicou que tomou a decisão "com profundo sofrimento".

Desde sua criação em 1990, a Fundação Sarney não parou de gerar polêmica. A primeira crise teve origem na escolha da sede. Erguido no século XVII pela Real Sagrada e Militar Ordem dos Mercedários, o Convento das Mercês, em cujo pátio foi construído um mausoléu para Sarney, é um belíssimo exemplar da arquitetura religiosa, Tornou-se propriedade da fundação por ato do então governador João Alberto.

A oposição, porém, nunca engoliu a transferência do patrimônio público. Há alguns meses, a Justiça determinou a devolução do prédio ao Estado. No escândalo mais recente, a fundação é acusada de desviar para empresas fantasmas quase a metade do R$ 1,3 milhão que recebeu da Petrobras para a digitalização do acervo. Pelo estatuto, ela deveria funcionar como as bibliotecas presidenciais americanas, mas mostrou-se mecanismo de metas rasteiras. "A Fundação Sarney está coberta de suspeitas. A ideia da fundação é boa, mas os métodos e os meios não são os mais aconselháveis", afirmou Arthur Virgílio, líder do PSDB no Senado.

Sarney, no entanto, pode estar blefando. O fechamento da fundação é prerrogativa do conselho curador, presidido pelo advogado José Carlos Souza Silva. Em entrevista à ISTOÉ, Silva disse que é prematuro falar em extinção. "Para onde vai esse acervo com mais de 200 mil documentos, 4.500 obras de arte e 37 mil livros?", pergunta. Segundo ele, se a entidade for fechada, terá de arcar com os custos trabalhistas de seus 27 funcionários. "Não é um pequeno valor. Antes das demissões, pode haver outra solução", afirma Silva, que não revela o nome dos principais doadores da fundação. A solução, na verdade, já está em andamento.

Na Assembleia Legislativa, os deputados ligados à governadora Roseana Sarney pretendem apresentar um projeto que torna o Estado responsável pelo acervo. Para os adversários do clã Sarney, esse é o objetivo do presidente do Senado. "Sarney conta com uma mãozinha do presidente Lula, que também poderia pedir ajuda a empresários para tirar a fundação do sufoco", ataca o ex-presidente do STJ Edson Vidigal.

O modelo adotado por Sarney difere em muito de fundações que ex-presidentes vêm criando em todo o mundo. Amparados pelo prestígio acumulado no período em que permaneceram no poder, muitos desses líderes estão no comando de organizações que se tornaram referência mundial (leia quadro). O foco da ação pode variar e até ser múltiplo, como ocorre com a fundação do ex-presidente americano Bill Clinton, de longe o mais bem-sucedido no setor. Ele começou de forma modesta, em 2002, num escritório do bairro nova-iorquino do Harlem, e hoje participa de projetos em 170 países. Apenas um dos programas da fundação, a Iniciativa Global Clinton, arrecadou US$ 57 bilhões nos últimos cinco anos.

Clinton esteve em São Paulo no seminário internacional que inaugurou o Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC) em maio de 2004. Instalado em sede própria com 2.090 metros quadrados, o iFHC tem dois objetivos distintos. Por um lado, preservar e disponibilizar o acervo privado do presidente. Junto com o arquivo da antropóloga Ruth Cardoso, sua mulher, falecida em junho do ano passado, são mais de 550 mil itens. O instituto também se coloca como um espaço para o debate, contabilizando até agora a realização de mais de 50 seminários e a publicação de oito livros.

Nos últimos dias, o iFHC promoveu três encontros. No primeiro deles, um debate sobre o présal juntou os deputados Arlindo Chinaglia (PT-SP) e Luiz Paulo Vellozo Lucas PSDB-ES), além de David Zylbersztajn, ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo. "Deu uma química muito boa", afirma o coordenador de Estudos e Debates do iFHC, o sociólogo Sérgio Fausto. Na terça-feira 27, o auditório com capacidade para 75 pessoas foi ocupado por alunos da Escola Técnica Estadual Albert Einstein, da capital paulista.

Eles participaram do programa "Diálogos com um Presidente", que desde 2007 reúne todo mês Fernando Henrique com estudantes. "Ele fez um ótimo panorama político da América Latina", diz Alessandra Miras Fernandez, 17 anos. "E respondeu a muito mais perguntas do que havia sido combinado." No dia seguinte, sob o comando da curadora do acervo, a antropóloga Danielle Ardaillon, especialistas discutiram os compromissos da ética e do direito na digitalização de arquivos. Como a Fundação Sarney, o iFHC, que consome cerca de R$ 150 mil mensais, é mantido por meio de doações. A diferença é que ela atua muito além do culto à personalidade e investe na transparência. Todo ano, o balanço do instituto é auditado pela PricewaterhouseCoopers.

SUCESSO
Criadas por ex-chefes de Estado, outras instituições funcionam bem em diversas partes do mundo