Definitivamente, a ficção no Brasil jamais será capaz de suplantar a realidade. Prova disso foi a proeza conseguida na semana passada pelo ator Bernardo Cerveró, filho de um ex-diretor da Petrobras. Desconfiado de que seu pai, Nestor, vinha sendo traído por seu advogado e abandonado por seu ex-padrinho político, o senador Delcídio do Amaral (PT-MS), Bernardo atraiu as presas para sua toca: uma suíte num hotel de luxo em Brasília. Com um iPhone escondido no bolso, gravou as verdades secretas do encontro e fez com que todos fossem parar na prisão, levando no pacote um dos homens mais ricos do Brasil, o banqueiro André Esteves.

Mais do que o aspecto cinematográfico, o roteiro carrega ainda todos os elementos de uma tragédia shakesperiana: a vilania e a traição do advogado, a verborragia e a vaidade do senador, o excesso de ambição do banqueiro – e o medo que a todos unia naquela trama. Para completar a cena, o chefe de gabinete do senador, que fazia um papel de figurante, mas necessário para que se configurasse não apenas uma “quadrilha”, como também um flagrante.

Agora, depois da epifania da semana passada, virá, necessariamente, um segundo ato. Se a delação de Nestor Cerveró enfrentava dificuldades para ser aceita, ela terá que ser homologada. Afinal, se despertava tanto receio num dos senadores mais influentes do País e num banqueiro tão poderoso, é por que algum fundo de verdade deve conter.

Se Cerveró decidir revelar tudo o que sabe, poderá passar a limpo muita coisa no Brasil. Na conversa gravada por Bernardo, está claro que seu pai conhece histórias do arco da velha, como do tempo em que a multinacional francesa Alstom era uma das principais fornecedoras da diretoria de gás da Petrobras. Como pano de fundo de tudo, a sempre explosiva combinação entre o público e o privado no Brasil. Shakespeare não escreveria uma peça mais completa do que a de Bernardo Cerveró.