Imagine um incêndio no qual, para apagá-lo, afoga-se quem se deve salvar. É isso que ocorre com o projeto de regulamentação do direito de resposta sancionada por Dilma Rousseff – o incêndio, no caso, é a publicação de algo supostamente “ofensivo” a alguém; a água reparadora do erro, mas excessiva, é o projeto do direito de resposta agora em questão; a vítima, a morrer afogada, é a liberdade de expressão. Pode-se supor que tal tema interesse unicamente aos que atuam nos meios de comunicação. Engano. O direito de resposta liga-se constitucionalmente à liberdade de expressão, um dos principais pontos de preservação do Estado de Direito, interessando portanto à sociedade em geral. Tanto é assim que a Constituição Federal tutela a liberdade de imprensa e também o direito de resposta em seu Título II (cláusula pétrea), onde trata dos direitos e das garantias fundamentais.

Ao ler-se a nova lei, fica claro que não houve má fé do legislador – ocorreu, isso sim, mero descuido na utilização de uma expressão, digamos, “escorregadia” e “difusa”: a palavra “ofendido”. Vejamos: “Ao ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social é assegurado o direito de resposta ou retificação, gratuito e proporcional ao agravo”. O sentir-se “ofendido” é algo totalmente subjetivo, intangível, é um termo que segue pela passionalidade e não pelo consentâneo caminho da objetividade, da racionalidade e do direito positivo. Um jogador de futebol pode se sentir melindrado (“ofendido”) se o cronista o julgar perna de pau numa partida, um político pode ter o mesmo sentimento se for criticado – trata-se de uma dor individual, íntima, psíquica até. Como isso enseja direito de resposta no projeto que se tornou lei, inevitavelmente os profissionais dos meios de comunicação se sentirão coagidos e constrangidos, temendo se defrontarem com tais reclamações, que poderão ser feitas diretamente pelo “ofendido”. Se em sete dias ele não for atendido, o caso vai à Justiça. A lei é, assim, água demais a afogar o direito de expressão e de liberdade de imprensa estabelecidos pela Carta Magna da República. O direito de resposta tem de se dar, exclusivamente, a partir da veiculação de fato inverídico e de informação errônea, que objetivamente injuriem, caluniem ou difamem. Sentir-se “ofendido” não implica necessariamente ofensa.

Instituída no Brasil a 18 de junho de 1822, a nossa primeira Lei de Imprensa era passional, a ponto de, juntamente com ela e para ela, ter sido implantado no País o Tribunal do Júri (que hoje só julga crimes contra a vida). Com a acertada decisão do STF de derrubar em 2009 a última Lei de Imprensa (relator ministro aposentado Ayres Britto), porque nada mais era que excrescência do regime militar, passou esse tema a ser regulado pelo Código Penal, Código de Processo Penal, Código Civil e Código de Processo Civil. E, na verdade, não se carece de legislação específica, uma vez que os dois lados, num isonômico contraditório, são contemplados pela Constituição (a liberdade de imprensa e de expressão e o direito de resposta). Ao fixar com clareza esses pontos, a Constituição nos leva ao exercício da plena liberdade com responsabilidade por aquilo que se exibe, fala-se e escreve-se. Ao deixar tal garantia ao sabor de um sentimento vago de “ofendido”, como o fez Dilma, corre-se o risco de se ver as empresas de comunicação paralisadas diante de um número absurdo de requisições de direito de resposta.

E a sociedade, destinatária maior da liberdade de imprensa, sai perdendo no campo da informação, da interpretação e da opinião.